“Débora era mãe atenciosa, companheira das causas populares, uma mulher de luta, trabalhava pela sua comunidade e organizava as pessoas em grupo, pois entendia que assim seria mais fácil conseguir o reassentamento das famílias atingidas pela barragem da Lomba do Sabão.” É assim que Alexania Rossatto, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Rio Grande do Sul, define Débora Moraes.
Cheia de sonhos e planos, ela foi assassinada pelo ex-marido, Felipe Fraga Faustino, em 12 de setembro de 2022, na casa onde morava, na vila dos Herdeiros, Lomba do Pinheiro, zona leste da capital gaúcha. Ela tinha 30 anos, uma filha de seis, e era uma liderança reconhecida na defesa dos direitos das famílias atingidas pela barragem da Lomba do Sabão. O autor do crime foi preso em flagrante e em 2023 a justiça determinou que ele seria julgado por júri popular. A defesa do réu na ocasião alegou que Moraes teria cometido suicídio.

O julgamento do feminicídio da militante do MAB está marcado para esta quinta-feira (7), no Foro Central de Porto Alegre. A data é simbólica, pois marca os 19 anos da sanção da Lei Maria da Penha, principal marco legal brasileiro de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
O assassinato ocorreu em um dos anos mais violentos da última década para as mulheres no Rio Grande do Sul: foram 111 feminicídios e 263 tentativas, além de 50.787 registros de violência contra mulheres, incluindo ameaças, lesões corporais e estupros, segundo o Observatório Estadual da Secretaria de Segurança Pública (SSP-RS). Foi o segundo maior número de feminicídios no estado desde 2013, atrás apenas de 2018, que registrou 116.

Somente nestes sete primeiros meses de 2025, já foram 45 mulheres vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul, segundo levantamento da Lupa Feminista. O assassinato de Débora, lembra Rossatto, deve servir de “alerta a todas as mulheres para que busquem apoio em caso de violência e que denunciem as agressões que sofrem”.
A advogada Alice Hertzog Resadori atua como assistente de acusação, representando a família de Débora Moraes e acredita que o júri do feminicídio não poderia acontecer em uma data mais simbólica. “No dia 7 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Estamos também no Agosto Lilás, o mês que marca o combate à violência de gênero, justamente em homenagem à Lei Maria da Penha e às políticas criadas por ela. Termos o júri da Débora nesse momento, é uma convocação para pensarmos em todo o contexto de violência doméstica que vitimiza e cala as nossas mulheres”, aponta Resadori.

Necessidade de políticas públicas
As integrantes da Campanha Levante Feminista contra o Feminicídio, o Lesbocídio e o Transfeminicídio e do Observatório de Feminicídios Lupa Feminista Thais Siqueira, Fabiane Lara Santos e Niara de Oliveira afirmam que o feminicídio da militante Débora Moraes revela traços profundos de uma cultura conservadora e machista, onde mulheres ainda são vistas como propriedade e não têm o direito de dizer “não”.
Para elas, esse tipo de violência se intensifica no ambiente doméstico e familiar, mas atravessa tanto o espaço privado quanto o público. “Temos visto diariamente no país inteiro casos de feminicídio. Por isso temos insistido tanto, há anos, que precisamos de políticas integradas de prevenção, acolhimento, responsabilização legal e transformação cultural”, alertam.
Elas defendem que todas as mulheres estão sujeitas à violência e ao feminicídio, mas ressaltam que não estão expostas da mesma forma. Como exemplo, citam o caso de Daiane Griá Sales, vítima de etnofeminicídio, cujo julgamento demorou três anos e meio para acontecer. “Fizemos um dossiê com todas as informações sobre o caso, desde o ocorrido até o julgamento em fevereiro. Está no site do nosso observatório Lupa Feminista”, informam.
Outro caso recente lembrado por elas é o feminicídio de Leandra Vitória Rossales da Silva, mulher negra assassinada em Pelotas em agosto de 2023, no dia em que completou 25 anos, na frente do filho de seis. “O réu foi julgado 23 meses depois do crime e condenado a 36 anos, 10 meses e 20 dias de prisão”, relatam.
Justiça por Débora
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) está organizando uma vigília em frente ao Foro Central para o início da manhã, a partir das 8h. “Esperamos que no dia 7 seja feita justiça, em honra à memória da Débora e de todas as mulheres vítimas de violência de gênero”, declara Rossatto.
O júri será realizado no Salão do Tribunal do Júri da 4ª Vara do Júri, em Porto Alegre, e contará com dez testemunhas, cinco de acusação e cinco de defesa.
* Matéria realizada em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).