A despeito do aumento orçamentário para a proteção de defensores de direitos humanos entre 2005 e 2024, saindo de R$ 1 milhão para R$ 13 milhões, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) considera que o montante de recursos destinados ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) é “inadequado” e de baixa execução.
De acordo com um dossiê do comitê publicado nesta terça-feira (5), a execução do orçamento ficou abaixo do previsto em 10 dos 20 anos. Em 2018, cerca de R$ 400 mil foram executados de uma dotação inicial de R$ 15 milhões. Em 2023, dos R$ 18,9 milhões reservados para o programa, apenas R$ 8,3 milhões foram aplicados no exercício corrente, com a execução chegando a R$ 13,8 milhões ao considerar os restos a pagar.
Em nota ao Brasil de Fato, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) informou que a execução orçamentária do programa em 2024 chegou a 99,83% – foram executados ou empenhados R$ 46,9 milhões de um valor total de R$ 47 milhões destinados a esse fim. Em 2023, segue a pasta, o orçamento foi de R$ 44,5 milhões, com execução ou empenho de 99,8% do recurso.
O dossiê foi lançado por ocasião dos 20 anos do comitê e das políticas para a proteção de defensores, completados neste ano. O grupo nasceu em 2004 com o objetivo de articular a sociedade civil em torno da proteção de defensoras e defensores de direitos humanos e acompanhar a implementação da política pública de proteção. Três anos depois, em 2007, foi criada a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos por meio de um decreto. Desde 2005, no entanto, já havia previsão orçamentária para tratar do assunto.
‘Mais retrocessos do que avanços’
Entre 2014 e 2025, o número de pedidos de inclusão no PPDDH cresceu cerca de 1.300%, segundo o MDHC. Embora o governo federal relacione o aumento ao fortalecimento da política, o pesquisador Antônio Neto, da plataforma Justiça Global, avalia que foram observados “mais retrocessos e desafios do que avanços” na proteção aos defensores ao longo das duas últimas décadas.
“Todo ano, o comitê escreve documentos de monitoramento, avaliação e recomendação, e é importante dizer que, nesses 20 anos, as recomendações basicamente se repetem”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.
Um exemplo das lacunas apontadas no documento é o tamanho das equipes estaduais, que contam com apenas sete a nove profissionais. O número é considerado insuficiente para atender à demanda, sobretudo em estados com grande extensão territorial ou elevada diversidade demográfica. É o caso da Bahia, que, segundo dados de julho deste ano do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, concentra 146 pessoas sob proteção.
Em resposta à reportagem, a pasta afirmou que, em 2025, as equipes estaduais do programa passaram a contar com 14 profissionais.
Outro entrave é que o programa ainda não foi convertido em texto legislativo, o que o torna vulnerável às mudanças de governo e compromete sua continuidade. “Desde o início, a gente reivindica um marco legal garantido em lei, porque o programa depende de decretos presidenciais para funcionar como uma política pública. Mas os decretos são um instrumento frágil porque depende necessariamente da boa vontade dos governos de plantão. É uma das lacunas”, afirma Antônio Neto.
Outros dados do dossiê
O documento também aponta que a maior parte do orçamento é destinada a despesas administrativas, como a manutenção das equipes técnicas responsáveis pela operação do programa. No Ceará, por exemplo, 74,76% do orçamento é voltado para gestão e manutenção da equipe técnica, enquanto somente 8,75% é direcionado ao atendimento e à proteção direta de defensores e defensoras de direitos humanos.
Paralelamente, dados do MDHC mostram que 1.414 pessoas vivem sob medidas de proteção por conta de ameaças relacionadas à defesa dos direitos humanos em todo o Brasil. Do total, 80% são lideranças que atuam em causas ligadas ao meio ambiente, à terra e ao território. Também estão incluídas pessoas envolvidas no combate ao racismo, à LGBTfobia e a outras formas de violação de direitos.
Especificamente, entre as pessoas protegidas estão indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, integrantes de religiões de matriz africana, comunidades de fundos e fechos de pasto, localizadas no norte e oeste da Bahia, extrativistas e geraizeiros. Os perfis dos principais ameaçadores variam conforme a região, mas no geral são fazendeiros, garimpeiros, extrativistas ilegais, empresas, madeireiros, agentes de segurança pública e grileiros.
A maior concentração de pessoas protegidas está nos estados do Nordeste, com 532 casos, seguida pela região Norte, com 383. O Sudeste contabiliza 292 pessoas sob proteção, o Centro-Oeste, 106, e o Sul, 101. Considerando as unidades federativas, o Pará lidera com 162 casos, seguido pela Bahia (146), Maranhão (132), Minas Gerais (122), Ceará (117) e Amazonas (108).
Leia abaixo a nota completa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania:
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) reafirma seu compromisso com a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos, tendo a política como uma das prioridades da atual gestão.
Somente em 2024, os recursos destinados à proteção de defensores, vítimas e testemunhas ameaçadas ultrapassaram R$ 47 milhões. Desse total, foram executados/empenhados R$ 46,9 milhões (99,83%), refletindo o compromisso desta Pasta em garantir a efetiva aplicação do orçamento destinado aos programas de proteção.
Já em relação ao exercício de 2023, do orçamento de R$ 44,5 milhões, R$ 44,4 milhões foram executados/empenhados (99,8%).
Ressalta-se que a inscrição de parte do orçamento empenhado em Restos a Pagar é decorrente das peculiaridades da execução dos programas de proteção. Tais programas geralmente apresentam cronogramas de desembolso financeiro que perpassam o exercício em que os instrumentos foram firmados, conforme previsto nos respectivos planos de trabalho.
Sobre a estrutura do PPDDH, destaca-se que a alocação de recursos com equipes técnicas, como observado no Ceará, está diretamente relacionada à metodologia do Programa, que se baseia no acompanhamento constante dos protegidos e na articulação institucional. A presença de profissionais qualificados é fundamental para garantir a continuidade e a efetividade da proteção, especialmente em contextos complexos e com grande volume de casos.
Em 2025, as equipes federais do Programa foram ampliadas e passaram a contar com cerca de 14 profissionais, com o objetivo de fortalecer atendimento, em especial, a estados com grandes extensões territoriais e maior diversidade demográfica. As formações em Direito, Psicologia e Serviço Social seguem como prioritárias.
Por fim, os dados apresentados no dossiê do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) se baseiam em informações fornecidas pela própria Coordenação-Geral do Programa. Contudo, ao contrário da alegada redução, os dados oficiais indicam crescimento expressivo no número de atendimentos: de 591 casos, acompanhados em 2019, para 1.139, em 2024. Em 2025, esse número chegou a 1.444 casos, evidenciando a ampliação do alcance da política de proteção e o fortalecimento do atendimento a defensoras e defensores de direitos humanos em todo o país.