As críticas de que o Brasil apresenta piora nos direitos humanos contidas no relatório anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos vêm sendo contestadas com veemência por especialistas da área. Eles argumentam que o Brasil vem melhorando seus índices segundo medições sérias e que o documento estadunidense tem claras motivações políticas, além de cobrarem que o governo brasileiro rebata as acusações.
“Muitos relatórios de análise da situação dos direitos humanos no Brasil, feitos por organismos das Nações Unidas ou por organismos da Organização dos Estados Americanos, sobretudo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apontam um cenário de vigência de direitos atualmente muito melhor do que há quatro anos, quando terminou o período do governo de Jair Bolsonaro” explica ao Brasil de Fato Raísa Ortiz Cetra, co-diretora da organização não governamental (ONG) Artigo 19 Brasil e América do Sul.
Ela explica que, segundo o documento Global Expression Report, que analisa a situação de 161 países, “o Brasil ocupa a 31ª posição em garantia de liberdade de expressão, quando em 2022 tinha a 89ª posição, referente a dados de 2021″.”Então o Brasil subiu muito no ranking a partir da entrada do governo Lula, e isso muito porque o período anterior do governo de Jair Bolsonaro foi um período marcado por ataques sistemáticos a jornalistas, perseguição judicial a comunicadores e defensores de direitos humanos”, afirma ela.
Paulo Borba Casella, professor de direito internacional público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) disse que “é importante que o governo brasileiro se manifeste, divulgue os seus dados e ocorra um trabalho fundamental da imprensa dentro e fora do país para insistir no quanto isso é mentiroso, tendencioso e é para criar um constrangimento para o Brasil”.
“O Brasil é acusado de ter uma piora em coisas que são absolutamente falsas e mentirosas. O mesmo relatório diz que a situação piorou na Alemanha, na França, no Reino Unido e, em El Salvador de Nayib Bukele, as coisas melhoraram, ou seja, não faz o menor sentido.”
Entidades vem constantemente acusando El Salvador de aumento crescente das violações dos direitos humanos, desde que o presidente Bukele decretou estado de exceção em 2022, que levou a prisão de 1,5% de sua população. Mas o aliado de ultradireita do presidente estadunidense Donald Trump ofereceu abrigar em prisão de segurança máxima deportados dos EUA, o que, segundo especialistas, explicita a motivação política do relatório.
“Eles nada falam a respeito de países que são violadores contumazes dos direitos fundamentais, desde que sejam parceiros e com eles estejam economicamente alinhados. Esta edição, diversamente do que foi a edição anterior, ainda no tempo do governo [de Joe] Biden, é desmoralizante para a administração americana”, diz Borba Casella.
“É uma vergonha que falem tantas mentiras”, diz o professor, que diz ser costume estadunidense demonizar países em que desejam que aconteça uma mudança de governo, acusando-os de violar direitos humanos. Ele cita, com ironia, uma anedota que corre entre acadêmicos:
“Sabe por que nunca ocorreu um golpe de Estado nos EUA? É que lá não existe embaixada americana.”
No exterior
O documento anual é divulgado desde 1974 e as acusações contra o Brasil são de que ocorreu suposta “violação à liberdade de expressão” no âmbito da investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra grupos que se organizam na internet para atacar o sistema eleitoral e pregar golpe de Estado.
“O governo minou o debate democrático ao restringir o acesso a conteúdo online acusado de ‘minar a democracia’, suprimindo desproporcionalmente o discurso de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro”, diz o relatório, repetindo o discurso oficial da Casa Branca usado para impor sanção ao ministro do STF Alexandre de Moraes e taxar parte das exportações brasileiras.
O relatório deste ano causou surpresa não apenas no Brasil. Uma das principais ONGs de direitos humanos do mundo – a Human Rights Watch (WRH) – acusou o governo Trump de manipulação política e mentiras no documento.
“O novo relatório de direitos humanos do Departamento de Estado é, em muitos aspectos, um exercício de encobrimento e enganação. O governo Trump transformou grande parte do relatório em uma arma que faz os autocratas parecerem mais palatáveis e minimiza os abusos de direitos humanos que ocorrem nesses lugares”, disse Sarah Yager, diretora da HRW em Washington.
Além de El Salvador, o documento estadunidense não critica outros países famosos por violar os direitos humanos em grande escala os direitos humanos, como Hungria e Israel, que promove o genocídio na Faixa de Gaza desde 2023. Ambos os países são aliados do regime de Donald Trump.
