No último mês de julho, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou o aumento das alíquotas de importação de produtos brasileiros em 50%. Apelidada pela imprensa de “tarifaço”, a medida é mais uma arma da ofensiva estadunidense contra o rearranjo geopolítico e econômico que ameaça sua hegemonia em um mundo em intensas transformações. Aplicada também a outros países, inclusive à China, assume caráter verdadeiramente sancionatório diante de ameaças reais ou imaginárias.
No caso do Brasil, são apresentadas basicamente duas “justificativas”: o suposto desequilíbrio da balança comercial, que desfavoreceria os EUA, e a alegada perseguição política ao ex-presidente Bolsonaro. Nenhuma delas tem amparo fático. Ao contrário, os EUA são superavitários no comércio bilateral, já que vendem mais ao Brasil do que compram. Quanto ao ex-presidente, é preciso lembrar que ele é réu em ação penal por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, contando com amplo direito de defesa e contraditório, em obediência à ordem constitucional e às garantias dela derivadas.
Aliado ao tarifaço, Trump vem exercitando sua contumaz verborragia mirando em assuntos internos do Brasil, a ponto de impor sanções severas a agentes públicos brasileiros, inclusive a um ministro da mais alta corte do país. Fruto do lobby intenso do clã Bolsonaro, tais sanções configuram verdadeira chantagem em troca de anistia aos crimes do patriarca da família. Ao fim e ao cabo, o tarifaço revela de forma cristalina a lógica imperialista que mantém países periféricos, como o Brasil, em posição subalterna nas cadeias globais de valor.
Nesse cenário, uma camada ganha relevo especial: o ataque direto à soberania nacional. A soberania é elemento fundamental do Estado moderno. Sua primeira conceituação mais rigorosa foi ensaiada por Jean Bodin, no século XVI, e aprimorada por Hobbes e Rousseau. Deste último deriva a formulação dominante entre seus sucessores: trata-se de um poder uno, indivisível, inalienável e imprescritível.
Celso Ribeiro Bastos a define de modo sucinto e magistral:
“A soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do princípio da subordinação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação. Ter, portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios.” (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994)
Da grandiosidade do conceito decorre a centralidade do primeiro fundamento constitucional da República e a certeza de que ele é inegociável. A reação inicial do governo Lula demonstrou firmeza e busca de diálogo, defendendo o interesse nacional sem cair na armadilha do confronto vazio. No entanto, medidas unilaterais como essa escancaram os limites da inserção dependente do Brasil na economia global e mostram que soberania não se sustenta apenas com retórica: exige capacidade produtiva, tecnológica e política para resistir a pressões e sanções.
Enquanto permanecermos limitados, majoritariamente, à exportação de commodities, seremos vulneráveis às oscilações externas e aos caprichos de personagens como Trump. Por isso, como parte de um projeto nacional de base popular, é preciso diversificar nossa matriz produtiva, formular uma política industrial consistente, investir em ciência e fortalecer o mercado interno. A resposta ao tarifaço deve ir além da conjuntura. É hora de reafirmar nossa soberania construindo um modelo de desenvolvimento centrado em nosso povo e na classe trabalhadora — os verdadeiros detentores do poder soberano que dá vida à República.