Os bairros às margens do Rio de Contas, em Jequié, no sudoeste da Bahia, acolhem a partir desta segunda-feira (25) uma comitiva de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para o desenvolvimento de um projeto sobre saúde popular no município. O grupo, que permanece no local até a próxima sexta-feira (29), visita diversas famílias da comunidade local para conversar sobre a situação atual da saúde destas populações.
A iniciativa, desenvolvida em parceria com o Ministério da Saúde, tem como objetivo formar vigilantes populares em saúde a partir da realidade dos atingidos por barragens e pelas mudanças climáticas. Em Jequié, o foco principal da pesquisa nesta primeira etapa é avaliar as condições de saúde da população a partir dos impactos da Barragem da Pedra, do agravamento da violência no território, das recorrentes enchentes e violações de seus direitos.
Um dos desafios da pesquisa é ampliar o conceito de saúde da população para além da ausência de doenças. Para o MAB e pesquisadores, analisar se uma pessoa está plenamente saudável é preciso considerar também os fatores sociais, econômicos, culturais e ambientais que influenciam a saúde e o bem-estar de cada indivíduo e das comunidades em geral. Por isso, é preciso entender as condições de vida, trabalho, educação e relações sociais das populações pesquisadas, indo além dos aspectos biológicos e individuais.
Cleidiane Barreto, membro da coordenação do MAB na Bahia, explica que a iniciativa é muito necessária para Jequié, pois coloca a saúde e o direito das populações atingidas do município no centro do debate. São esses sujeitos, aponta a dirigente, que normalmente são invisibilizados por serem vítimas de enchentes provocadas pelas aberturas de comportas da barragem.
“É um trabalho que valoriza a experiência das famílias e das comunidades. É o momento de escutar quem vive diariamente com os impactos das mudanças climáticas, das construções de barragens e quem está construindo a luta e novas possibilidades para os atingidos. Essa parceria fortalece a luta por reconhecimento, por reparação e principalmente por dignidade dessas famílias” explica.

Esta é a terceira visita da equipe às comunidades atingidas. O projeto já passou em Canoas (RS) e Cametá (PA) e ainda vai a São Sebastião (SP) e Fortaleza (CE). Esta primeira etapa consiste em um diagnóstico participativo, com escutas ativas, para mapear os desafios locais de saúde. Em 2026, após as entrevistas, tem início a fase formativa, com oficinas que capacitarão os atingidos como agentes de vigilância popular em saúde, fortalecendo sua autonomia para identificar e agir sobre os riscos à saúde de sua comunidade.
“Estamos muito esperançosos que essa pesquisa ajude inclusive a construir ferramentas para exigir a reparação das famílias que foram atingidas pelas aberturas de comportas da Chesf [Companhia Hidro Elétrica do São Francisco], para a construção de políticas públicas e também para a construção da organização popular”, destaca Barreto.
Vigilância popular em saúde
O projeto busca promover e apoiar ações de vigilância popular em saúde, preparando as populações de cada território para identificar, monitorar, comunicar e registrar quaisquer problemas de saúde na população, especialmente aqueles causados pela construção de barragens ou por eventos climáticos.
O aprofundamento do conceito de vigilância popular é o segundo passo da iniciativa, previsto para 2026. A pesquisadora Priscila Neves, uma das coordenadoras do projeto, explica a importância desta primeira etapa para a construção mais qualificada da formação dos futuros vigilantes.
“É importante escutar a população, compreender as histórias, sentimentos e percepções, não apenas sobre o que aconteceu, mas sobre o que, para elas, pode ser feito para reduzir os riscos e trazer um pouco de segurança. Isso é essencial para construir uma formação mais adequada à realidade dos territórios”, explica Neves. Além disso, também precisamos compreender como os atingidos se organizam dentro da comunidade, onde buscam informação, como a informação é passada entre os membros da comunidade e como é a relação da população com o SUS”, completa.
Programação
Com o propósito de conhecer a realidade das famílias e conversar sobre sua saúde, a programação desta semana prevê visita às residências dos moradores durante os cinco dias de pesquisa na região. Os bairros Mandacaru, Quilômetro 3, Joaquim Romão e Curral Novo são os principais focos da pesquisa.
Já na tarde de quinta-feira (28), na Associação de Moradores do Mandacaru, os pesquisadores reúnem os atingidos em grupo e propõem a aplicação do método corpo-território, que visa compreender como as alterações no ambiente em que vivem refletem diretamente em seus corpos.