O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, está em uma sala escura, no Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas. No vídeo, publicado nas redes sociais, ele aparece vestido com um uniforme militar, se apresenta e mostra vários mapas de diferentes regiões do país. López aponta para um deles e anuncia o reforço de uma “grande operação” que já acontece desde o começo do ano no lago Maracaibo e, principalmente, no mar do Caribe.
A mobilização de navios venezuelanos na região tem dois objetivos claros: mostrar a força militar do país e combater a pressão que os Estados Unidos e as agências de notícias estrangeiras têm feito sobre a Venezuela nos últimos dias. Desde 15 de agosto, a Casa Branca e o Pentágono têm usado declarações informais para anunciar uma operação militar no sul do Caribe, que teria como alvo o governo de Nicolás Maduro.
Isso, somado ao aumento da recompensa sobre o mandatário venezuelano, tem colocado em estado de alerta a defesa do país caribenho.
A resposta veio nesta semana. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Lopez detalha a operação que vai envolver 15 mil soldados, helicópteros, drones, o sistema de inteligência venezuelano e as chamadas Urras (Unidades de Reação Rápida de Combate). Não só a demonstração de força, o ministro também destaca um conhecimento estratégico, tendo em vista que as tropas conhecem o “território, as condições geográficas e as características dos grupos armados que atuam na região”.
O lago Maracaibo e o Golfo da Venezuela não foram escolhidos à toa. A proximidade com a fronteira e a presença das principais explorações petroleiras do país preocupam o governo, em um momento em que Caracas denuncia uma série de apreensões de grupos terroristas que atuam na região.
Projeto binacional
Nessa terça-feira (26), o ministro da Justiça venezuelano, Diosdado Cabello, também anunciou a instalação da fase 1 da Zona Econômica Especial de Paz. O projeto binacional envolve três estados, sendo dois na Venezuela e um na Colômbia. A ideia é que haja uma integração na atuação das Forças Armadas dos dois países na região para combater crimes cometidos na fronteira.
O próprio presidente Nicolás Maduro demorou uma semana para falar abertamente sobre o tema, mas, no seu programa na TeleSur às segundas-feiras, disse que “ninguém toca nesta terra”.
Resposta venezuelana
Para militares ouvidos pelo Brasil de Fato, toda a mobilização e os anúncios do governo venezuelano fazem parte de uma resposta à “guerra psicológica” promovida pelos Estados Unidos. Esse setor entende que, ainda que a Casa Branca não promova uma incursão militar de fato no país, as declarações do governo estadunidense tem como objetivo promover uma pressão e gerar ansiedade na população.
A tensão aumentou na região na semana passada, depois que os Estados Unidos subiram o tom contra o governo de Nicolás Maduro. A porta-voz do governo de Donald Trump, Karoline Leavitt, afirmou que o país usaria “toda a força” contra a Venezuela.
Antes, o Departamento de Estado havia aumentado a recompensa pela prisão de Nicolás Maduro para US$ 50 milhões e, sem apresentar provas, reiterou que o mandatário venezuelano seria chefe do Cartel dos Sóis, uma suposta organização criminosa, sobre a qual não há informações oficiais.
Riscos de ataques
O advogado e especialista em economia política Juan Carlos Valdez entende que todos esses movimentos da Venezuela são para denunciar essa ofensiva dos Estados Unidos e afastar qualquer tipo de ameaça. Ele não vê, no momento, risco de um ataque militar estadunidense, considerando que há negócios de empresas petroleiras estadunidenses na região, especialmente a Chevron.
Valdez lembra a invasão estadunidense ao Panamá em 1989 e afirma que há uma diferença clara entre os dois países: o potencial de resistência e a presença de estruturas militares estadunidenses.
“Não vejo possibilidade de ataques. Primeiro porque houve a renovação da licença da Chevron. Eles têm contatos de alto nível na Casa Branca e não fariam investimentos aqui sabendo de uma intervenção militar. Os Estados Unidos também nunca criaram guerras perto deles. Uma coisa é invadir o Panamá, a Granada, mas outra coisa é invadir a Venezuela, que tem uma capacidade militar e aliados como China e Rússia. Além de um caos, isso aproximaria esses inimigos estadunidenses para a região”, afirmou ao Brasil de Fato.
O chefe do programa de mestrado de História Militar da Universidade Militar Bolivariana de Venezuela, Henry Navas Nieves, concorda com essa posição. Ele afirma que os Estados Unidos tentam chantagear o governo venezuelano gerando preocupação e ansiedade no povo. O professor entende que o resultado, até agora, foi o contrário e lembrou do alistamento massivo de voluntários no último final de semana.
“O que isso gerou foi o contrário, um movimento extraordinário do povo venezuelano no alistamento da milícia e em tudo que diz respeito à defesa territorial. Essa atividade se soma ao conjunto de operações anunciadas pelo Ministério da Defesa. A mobilização dos nossos navios forma parte de um conjunto de decisões para a defesa, mas não é uma preocupação, é uma resposta contra as ameaças e mostrar nossa mobilização”, disse ao Brasil de Fato.
Para o governo colombiano, essa mobilização na fronteira não é motivo de alerta, pois há uma série de acordos entre os dois países para isso.
A quantidade de militares deslocados pelos Estados Unidos também é questionada pelos analistas. Ao todo, foram anunciados três navios com 4 mil soldados estadunidenses, além do cruzador de mísseis guiados USS Lake Erie e o submarino USS Newport News (que tem potencial de disparar bombas nucleares). Outros três navios seriam incorporados à missão e, segundo a CNN, uma nova tropa francesa também se uniria ao operativo.
As forças venezuelanas, no entanto, contam com mais de 300 mil soldados, segundo o Ministério de Defesa. Além disso, todas as forças de segurança venezuelanas renovaram sua estrutura e hoje contam com armamento e tecnologia russa e iraniana.
“É absurdo e ridículo esse deslocamento. Só a polícia de trânsito de Caracas tem mais de 4 mil homens. É uma ameaça até ridícula. Em Curaçao, Aruba, há bases militares dos EUA que têm mais de 4 mil homens. Esse deslocamento não representa uma ameaça real para nós”, disse.
Apoio da ONU
O governo venezuelano também pediu apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) frente às ameaças dos EUA na região. Em uma reunião com o coordenador da organização na Venezuela, Gianluca Rampolla, o chanceler Yván Gil demonstrou preocupação com o uso de armas nucleares pelos Estados Unidos.
“É uma tentativa nossa de afastar esses planos terroristas dos EUA. Não acho que a ONU vai fazer nada porque eles nunca fazem nada contra o desrespeito ao direito internacional. Os EUA nas últimas décadas têm desrespeitado de maneira sistemática o direito internacional. Vemos o genocídio televisionado pelo governo israelense e ninguém diz nada porque estão respaldados pelos EUA. Caracas vai tomando essas medidas de maneira autônoma para reforçar a soberania”, afirma.