O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), por meio do Guia dos Bancos Responsáveis, publicou, nesta quarta-feira (27), um relatório que avalia contradições entre as políticas institucionais divulgadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas práticas no financiamento a projetos de extração de lítio na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, pela empresa Sigma Lithium.
O documento mostra que há uma possível contradição entre o discurso de sustentabilidade e as práticas efetivas da mineradora. Enquanto a empresa se apresenta como pioneira na produção de “lítio verde” e alinha sua imagem aos princípios ASG, sigla para Ambiental, Social e Governança, as comunidades locais denunciam violações de direitos humanos, degradação ambiental e falta de transparência.
“A Sigma Lithium falha em disponibilizar relatórios auditados que demonstrem o seu respeito aos direitos humanos, pelos territórios de povos e comunidades tradicionais do Brasil, o que abre margem para desconfiança”, avaliou Karina Feliciano, pesquisadora do programa de Consumo Sustentável do Idec.
:: Relembre: Pesquisadores denunciam violações da mineradora Sigma no Vale do Jequitinhonha (MG) ::
O documento mostra que a empresa não tem disponibilizado relatórios de sustentabilidade. Somente relatório financeiros que estão em inglês e estão inacessíveis para grande parte da população local. Em reunião por videoconferência entre a Sigma Lithium e as organizações envolvidas no relatório, a empresa afirmou que o site em português está em produção.
Enquanto a mineradora apresenta uma política de direitos humanos em que afirma “reparar impactos”, não detalha prazos, orçamento, nem disponibiliza relatórios sobre isso. Segundo o documento, não há qualquer informação pública nos canais oficiais da Sigma Lithium que comprove ações concretas de reparação, ou mesmo visitas às comunidades, para averiguar as denúncias relatadas por terceiros.
Também não há mecanismos que assegurem às comunidades o acesso a consultores jurídicos para orientação e apoio durante consultas e negociações. Para produção do relatório, a empresa foi procurada para direito de resposta, mas não encaminhou nenhum documento para comprovar o contrário das informações reunidas.
Atuação do BNDES
Outro dado revelador trata do uso de recursos do Fundo Clima, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), para o financiamento da expansão da operação da Sigma Lithium no Vale do Jequitinhonha, o que acende o alerta para a atuação do BNDES.
Segundo o relatório, apesar de o banco adotar critérios rigorosos de avaliação socioambiental, tem falhado em não exigir comprovação concreta das políticas da Sigma Lithium.
“Se, por um lado, o banco adota critérios rigorosos de avaliação socioambiental, por outro, aparentemente, falha em não exigir comprovação concreta das políticas da Sigma Lithium ou das respostas às demandas das comunidades atingidas”, diz o documento.
O relatório aponta ainda que, apesar de saber sobre denúncias feitas pelas comunidades em março de 2024, o BNDES informou que acatou o Programa de Controle Ambiental da Sigma Lithium, que apresentava ações para mitigação de impactos e documentos como listas de presença e fotos de reuniões com as comunidades para aprovar o financiamento.
“O BNDES falha em não incluir a perspectiva e demandas das comunidades em suas visitas à região do empreendimento, e, portanto, no seu processo de aprovação de financiamento. Enquanto as demandas de povos tradicionais, indígenas e quilombolas não forem atendidas e respeitadas, qualquer medida para a transição nunca será verdadeiramente justa e sustentável”, concluiu Feliciano.
Recomendações
O relatório faz também recomendações para a Sigma e para o BNDES, caso sejam comprovadas as alegações formuladas pelas comunidades e não sejam apresentadas justificativas.
“Que a Sigma Lithium comprove, por meio de relatórios públicos, auditados e detalhados, em português e em inglês que conduz processos de consulta significativos com todas as comunidades afetadas pelo projeto”, diz um dos trechos do documento.
Já para o BNDES, algumas das recomendações são que, “além da observância do Mapa de Conflitos da Fiocruz, considere em seu processo de análise prévia para a concessão de financiamento, denúncias públicas de comunidades atingidas pelas atividades das empresas”.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Sigma Lithium respondeu, em nota, que tem compromisso absoluto com as melhores práticas globais em sustentabilidade e respeito às comunidades do Vale do Jequitinhonha. Segundo a empresa, as suas atividades seguem as normas todas as normas ambientais vigentes, mantendo operações carbono neutro, sem uso de barragens ou químicos tóxicos, e reaproveitando integralmente a água empregada no processo produtivo. A mineradora tembém afirmou que investe no desenvolvimento socioeconômico local, “gerando milhares de empregos diretos e indiretos”, mas não respondeu se possui algum cronograma para a publicação dos relatórios de sustentabilidade em português, conforme informado em reunião com organizações.
O BNDES também foi procurado para comentar as denúncias. O banco informou que, em reunião com organizações da sociedade civil, seu processo de concessão de financiamento passa por etapas de verificação de integridade, reputação e análise jurídica das empresas, incluindo processos judiciais e dívidas ativas. No caso do projeto de beneficiamento de lítio, não foram identificados impedimentos, e a regularidade ambiental foi atestada pelas autoridades competentes. Diante de denúncias de comunidades locais, o Banco solicitou esclarecimentos à empresa, que, segundo a instituição, apresentou licença ambiental válida e documentação comprobatória.
O BNDES informou também que, até o momento, não houve desembolso de recursos para a Sigma, porque restam ser cumpridas, por parte da empresa, condições prévias à liberação da primeira parcela do financiamento.