Quando setembro se aproxima e os preparativos para as comemorações da Semana Farroupilha e do Dia do Gaúcho começam, surgem na mídia e nas redes sociais textos abordando a Revolução (ou Guerra) Farroupilha. As festividades contam com ativa participação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), que se autoconsidera “guardião das tradições gaúchas” e elegeu como sua referência a Guerra Farroupilha.
Na minha opinião, esta escolha do MTG foi ruim para o evento histórico e para a tradição e cultura gauchesca. O movimento tradicionalista ao exaltar, de modo reacionário a Farroupilha, tratada como uma “epopeia”, onde “os heróis” (líderes das classes dominantes) são os verdadeiros representantes da “raça gaúcha”, recebe críticas pertinentes, principalmente da esquerda.
Porém, ano a ano, se repetem críticas, que, na ânsia de se contraporem a concepção tradicionalista, tratam os farroupilhas como um bloco homogêneo, generalizam infâmias de correntes farroupilhas, desconsiderando ideias republicanas e abolicionistas de outras correntes, reduzindo a importância desta revolta, que, assim como outras no Brasil e na Região Platina, enfrentaram impérios monarcas. E muitas críticas ainda trasbordam para manifestações depreciativas da tradição e cultura gauchesca, confundindo estas com tradicionalismo.
Desta forma, ao se aproximar o setembro de 2025, apresento aqui considerações que produzi em 2024.
Desinterditando o diálogo
Estas considerações são motivadas, por um lado, pelo fato de há muito tempo companheiros/as da esquerda, individualmente ou coletivamente (setoriais, coletivos), manifestarem opiniões negativas (hostis até) sobre a “cultura gauchesca” e, por outro, a pouca ou nenhuma referência a mesma em teses, manifestos, programas e ações dos partidos de esquerda.
Tal situação, envolvendo militantes e quadros partidários (incluindo acadêmicos/as), possivelmente decorra de incompreensões ou de preconceitos ou, ainda, da visibilidade proporcionada a polemistas.
A confusão mais corriqueira, no âmbito do “gauchismo” (área que abrange práticas e manifestações culturais relacionadas aos gaúchos, enquanto grupo social específico) é a associação inadequada (por desconhecimento ou discriminação) da “cultura gauchesca” com o “tradicionalismo” e sua institucionalização, o MTG, derivando para abordagens de episódios históricos do Rio Grande do Sul (RS), especialmente da “Revolução Farroupilha”, escolhida pelo MTG como sua principal referência.
Contrapontos a esta confusão, proposições de discussão sobre o tema aberta a diferentes angulações, visando uma intervenção política qualificada na cena do gauchismo, não raro, são tratadas com intolerância, chegando à interdição do diálogo.
Apostando na desinterdição e disposição para o diálogo, abordaremos algumas questões na intenção de que incompreensões e preconceitos sejam superados e a cultura gauchesca passe a ser considerada, ter visibilidade e vez nas discussões e propostas da esquerda para a sociedade.
Antes de avançar no texto é necessário dizer que diferenciamos cultura gauchesca ou gauchismo (entendendo o “nativismo” e “os missioneiros” como integrados neste) de “cultura gaúcha”, uma vez que “gaúcho/gaúcha” passou a ser sinônimo de sul-rio-grandense, referindo-se ao que é do RS (gentílico).
Nesta compreensão, cultura gaúcha abarca uma rica diversidade cultural, decorrente da formação histórica e multiplicidade étnica do Rio Grande do Sul, incluindo as culturas gauchesca; dos povos originários (guaranis, Kaingang, minuanos e charruas); dos descendentes dos colonizadores espanhóis e portugueses, dos povos africanos (aqui chegados na condição de escravizados e de indivíduos livres) e dos imigrantes alemães, italianos, árabes, judeus, entre outros.
Este artigo terá será publicado em três etapas.
*Nandi Barrios é engenheiro florestal, com trabalhos em comunidades quilombolas e indígenas.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.