A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), chamou a atenção de Paulo Renato Garcia Cintra, nesta terça-feira (2), depois que o advogado do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) se referiu ao voto impresso como sinônimo de auditabilidade do processo eleitoral brasileiro.
“Vossa senhoria sabe a distinção entre processo eleitoral auditável e voto impresso? O senhor repetiu como se fosse sinônimo e não é, porque o processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil. Passamos por uma auditoria para que não fique para quem assiste a ideia de que não é auditável”, declarou a ministra após a sustentação oral do advogado.
“Uma coisa é a eleição com processo auditável, outra coisa é o voto impresso. O que se fez foi o tempo todo dizer que precisava de voto impresso, que tem a ver com o segredo do voto, a lisura rigidez do direito de cada cidadão e cidadão votar só de acordo com o que ele pensa e ninguém saber disso. Outra coisa é a auditabilidade”, continuou a magistrada.
“A auditoria [existe] desde 1996. Quando foi criado o processo eletrônico, é auditável e passa por várias fases. Então, só para ficar claro, porque vossa senhoria usou com muita frequência como se fosse a mesma coisa, e não é. E o que foi dito o tempo todo foi essa confusão, para criar uma confusão na cabeça da brasileira e do brasileiro e colocar em xeque [o processo eleitoral]”, disse.
O advogado argumentou que utilizou os termos da maneira como foi descrita pela ministra porque assim estão descritos nos pronunciamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Esses termos eram repetidos”, disse o advogado. “E ilegítimos”, rebateu a ministra.
“O fato é que o processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável e ponto. O processo eleitoral brasileiro é auditável, íntegro, perfeitamente seguro, como se comprova amplamente. Voto impresso desde a introdução do voto eletrônico no Brasil não estamos tendo. É este o fato”, concluiu Cármen Lúcia.
Antes do puxão de orelha, Paulo Cintra defendeu a suspensão do processo contra o seu cliente no julgamento do núcleo crucial da trama golpista. A defesa argumentou que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aceita pelos ministros contém “erros graves”.
Cintra afirma que Ramagem já havia deixado a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando os planos golpistas começaram a ganhar corpo no Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Ramagem era integrante do alto escalão do governo federal até março de 2022. Mas nesse mês ele pediu exoneração para disputar o cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro”, disse aos ministros da Primeira Turma.
Além disso, afirmou que Ramagem jamais teria feito uso do software FirstMile, que teria sido utilizado ilegalmente para rastrear desafetos políticos de Bolsonaro. O FirstMile da Cognyte foi adquirido pela Abin em 2018 e fornecia a localização aproximada de celulares. “O MPF afirmou que Ramagem não apenas teria ciência da utilização irregular dessa ferramenta pelo serviço de inteligência, como tinha acesso ao sistema. Ocorre que a autoridade policial não fez alusão ao log de acesso a sistema algum”, disse o advogado.
O deputado federal é o único entre os oito réus da trama golpista que ainda ocupa cargo público. Desta maneira, parte da ação contra o parlamentar, relacionada aos crimes de dano qualificado ao patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado, segue suspensa até o fim do mandato legislativo.
Agora, o advogado pediu que a suspensão se estenda ao crime de organização criminosa. “A denúncia imputou-lhe o crime de organização criminosa. O entendimento da defesa é de que a resolução nº 18 da Câmara alcançaria o crime de organização criminosa, que continuava em vigência após a diplomação de Ramagem como deputado federal”, disse Cintra.
Em outro trecho, Cintra afirmou que os textos encontrados pela PF em que o deputado questiona a segurança das urnas eletrônicas eram apenas “anotações”. “Ele [Ramagem] sempre falou: ‘Eu sempre faço anotação de tudo. Meu computador é um mar de anotações’”, afirmou Cintra.
O advogado também disse que Ramagem era o “compilador geral da República” devido aos documentos encontrados em poder do deputado, que seriam um compilado de declarações do ex-presidente Bolsonaro. “Os documentos basicamente tratam de falas, pensamentos e discursos publicizados durante longo tempo pelo presidente da República, sobre supostamente ter vencido as eleições de 2018 no primeiro turno”, acrescentou.
“É muito grave dizer, com base em um documento deste, que Alexandre Ramagem seria ensaísta de Jair Bolsonaro. Não, não era. Quando muito ele era o grande compilador oficial da República”, disse o advogado.
Antes da fala das defesas dos réus, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu a condenação de todos: Jair Bolsonaro; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
“Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si. O grau de atuação de cada qual no conjunto dos episódios da trama é questão de mensuração da culpa e da pena, mas não da responsabilidade em si”, defendeu o PGR.
A condenação ou absolvição será definida por maioria simples da Primeira Turma, ou seja, pelo menos três dos cinco ministros. Além de Moraes e Zanin, o colegiado é formado por Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Independentemente do resultado do julgamento, as partes podem recorrer da decisão no próprio STF.
Todos são acusados pela Procuradoria pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem chegar a cerca de 40 anos de prisão.