A abertura do longa Quando a gente menina cresce, focando o nome da Sala de Leitura Djamila Ribeiro, que sediaria as conversas (e os desenhos) com as crianças da escola Prof. Sérgio Lopes, do bairro Renascença, já dava indícios do que viria por aí… “Um dos filmes mais políticos já feitos no Rio Grande do Sul”, definiu Leonardo Bomfim, programador da Cinemateca Capitólio e um dos curadores da Mostra de Longas Gaúchos do Festival de Gramado e do Festival de Brasília.
Para ele, o título é “uma pequena joia da produção documental gaúcha”: “Certamente, é um filme que ainda vai circular, ele estreou em Gramado, mas vai passar em outros contextos, outros festivais. É um filme que rende muitas conversas, muitos debates e que terá vida longa, espero!”.
E, assim, foi que o primeiro longa-metragem do coletivo de Santa Maria TV OVO (e primeiro título da cidade neste formato concorrendo no festival) saiu vencedor da Mostra Sedac Iecine de Longas Gaúchos do 53º Festival de Cinema de Gramado. Além do Kikito de Melhor Filme pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular, conquistou uma Menção Honrosa para o elenco feminino.
Tratando de um tema ainda cercado de tabus, a primeira menstruação, a obra acompanha a transição vivida por meninas entre 9 e 12 anos ao longo de um ano letivo em uma escola pública da periferia do município da região central do estado. Sensibilidade e cuidado foram as palavras mais associadas aos longas brasileiros assinados por mulheres nesta edição do evento, e também são extremamente adequadas para esta produção da TV OVO dirigida por Neli Mombelli.
“Esse filme foi gravado numa escola pública e traz a potência da escola pública. Ele fala da importância da educação, que precisa andar junto com saúde, com cultura e com política. A gente precisa de políticas públicas para garantir muitas coisas. Para a gente, é muito importante esse prêmio, pois estamos fora do eixo do eixo do eixo”, comemorou a cineasta no palco do Palácio dos Festivais.
A corroteirista Marilice Daronco completou a celebração do feito: “As seis personagens que estão nesse filme são personagens de uma potência linda. Precisamos falar dessas meninas que estão crescendo, que têm umas vidas que, por vezes, não são fáceis. Buscamos mostrar essa forma que elas têm de olhar o mundo, com brilho nos olhos. Mas, às vezes, a sociedade vai diminuindo esse brilho. Que possamos apresentar às infâncias essa transição para a adolescência, e que meninas como elas tenham sempre, sempre o direito de sonhar”.
Ao vencerem a mostra, as autoras garantiram a participação do título no próximo Festival de Málaga. E a produção ainda será exibida no próximo dia 19, sexta-feira, às 9h30min, no Cine Brasília, dentro da mostra paralela Festivalzinho, e em cidades do Distrito Federal que recebem a programação descentralizada do festival, com a mobilização de alunos da rede pública de ensino.
“O longa foi feito com recursos de edital de fomento. Santa Maria está no interior do Rio Grande do Sul, estado que está longe do eixo Rio/São Paulo. Mesmo que o RS figure entre os principais polos de produção no país, não tem muito espaço para projetos do Interior. Estar em Brasília ajuda a engrossar o coro para fortalecer as políticas públicas para a produção descentralizada”, avalia Neli.
Em Porto Alegre, Quando a gente menina cresce poderá ser visto na Cinemateca Paulo Amorim na próxima semana. Como já é tradição, ocorre uma mostra dos premiados do Festival de Gramado no espaço, e o documentário santa-mariense será apresentado na quinta-feira que vem (11).

Bomfim justifica sua opinião: “Embora ele seja um filme feito com crianças e que, de forma muito aberta, abraça a conversa e as ideias delas, para mim, é um filme muito maduro. Ele é adulto, na maneira como aborda, não somente a questão da educação sexual, mas a relação com o próprio corpo e as mudanças, as transformações, a puberdade, num ambiente escolar, lembrando o contexto que a gente vive no Brasil dessa cultura da desinformação”.
Outro ponto positivo apontado pelo curador é que as realizadoras também dialogam com as mães. “Essa ideia de conversar, de ouvir, de conhecer as pessoas é considerada muito política, porque acho que, muitas vezes, a gente pensa o Brasil, o mundo, hoje, a partir de ideias preconcebidas, de clichês. E quando a gente vai na periferia de Santa Maria, entra na escola, vê a realidade das crianças, das mães, como as meninas aprendem questões relacionadas ao próprio corpo, a gente descobre que tem um outro mundo ali, que tem muita coisa acontecendo.”
Para o programador, este é um filme que gosta das personagens. “Você sente, claro, o prazer ali, o desejo da conversa, de que cada personagem é muito importante para o filme, então, isso também é um diferencial, pensando no contexto de produção de documentário. Às vezes, eu sinto que falta isso, realmente, essa busca pelo interesse genuíno em quem está sendo documentado”, elogia.
Leveza com elementos lúdicos

A mostra principal do festival já trazia um coming of age delicado e refinado, estrelado por duas meninas e repleto de nuances regionais e pautas importantes: A natureza das coisas invisíveis, de Rafaela Camelo. E a sinopse oficial de Quando a gente menina cresce – e este título já diz tudo – defendia que o tema da menarca também era abordado com sensibilidade e leveza na produção gaúcha.
Neste caso, os substantivos adjetivantes para o longa de Santa Maria não foram mera estratégia de divulgação: estão traduzidos nas metáforas visuais lúdicas trabalhadas pela equipe, com uma montagem precisa que conferiu um ritmo interessante a um filme que poderia ser chamado somente de “escolar” e arquitetados pelos elementos conceituais e narrativos que, sabiamente, a diretora Neli Mombelli elegeu e esquematizou para contar essa história – ou essas histórias, das suas seis personagens.
Já aí a escolha que implicou no formato poderia ser arriscada: um documentário de baixo orçamento realizado na periferia de uma cidade fora do eixo, por um coletivo audiovisual, tendo seis protagonistas crianças/adolescentes.
Para o dicionário Oxford, a primeira acepção de protagonizar é “interpretar o papel principal”. E, aqui neste filme, o principal não é singular, é plural, tudo é coletivo, como é a proposta da TV OVO.
Já o segundo significado citado pela publicação para o verbo transitivo direto é “ser o agente de um ato, um acontecimento”. Aí está a mensagem de Quando a gente menina cresce: a tomada da ação, assumir os espaços de destaque. A equipe é efetiva nesse sentido no processo das filmagens, registra isso e consegue afetar o espectador nesse lugar.
Muitos títulos desta 53ª edição tiveram atores crianças ou adolescentes em evidência, com interpretações chamativas. A tomada do palco do Palácio dos Festivais por quem saiu da região central em caravana às 5h da manhã já foi marcante, mas foi no debate do longa de Santa Maria na Sociedade Recreio Gramadense após a exibição que o termo se concretizou plenamente.
Foi “protagonismo infantojuvenil”, de fato. Nove crianças/adolescentes ocuparam as cadeiras de equipe e contaram experiências do processo e as suas impressões logo depois de assistir pela primeira vez ao filme. Os personagens explicaram que fizeram um curta antes de filmar o longa, e concluíram, a partir das provocações do mediador Giordano Gio, que era para eles se acostumarem com a presença da câmera e dos profissionais, se conhecerem melhor e então se “soltarem” para as filmagens definitivas para o documentário.
E sobre a montagem em si, não se pode deixar de mencionar a riqueza do olhar feminino (captado anteriormente pela participação de Lívia Pasqual na direção de fotografia) e a experiência das duas profissionais que assumiram essa função ao lidar com o tema. A dobradinha de Thaís Fernandes (de Um corpo feminino, melhor filme da Mostra Gaúcha de Curtas de Gramado em 2018) e Joana Bernardes (de Flor, curta com o mesmo gancho, selecionado em 2024) mostrou-se mais que acertada para “calibrar” o tom e o fluxo das palavras.
Ambas, aliás, receberam o Kikito da categoria por Uma em mil, longa exibido na mostra no dia anterior, que também não deixa de ser um coming of age com personagens centrais para trazer uma pauta social que perde seu protagonismo (ou lugar de destaque) numa narrativa distante de didatismos (a síndrome de Down), mas marcada por emoção, graça e brincadeiras estéticas. Aliás, este título era apontado por muitos como o favorito para ganhar a disputa (incluindo as apostas confessas desta repórter e da própria diretora de Quando a gente menina cresce), tendo levado os troféus ainda de roteiro e direção (para Tiago e Jonatas Rubert).
Thaís (vencedora com Portuñol em 2020), pelo segundo ano consecutivo nesse certame levando a estatueta por montagem (em 2024, com Memórias de um esclerosado, que codirige), ainda subiu ao palco e fez uma interessante – e necessária – intervenção: “É muito importante esse espaço, mas a gente gostaria de estar também e ser visto na mostra nacional”.
Leia a entrevista com a diretora Neli Mombelli:

Diretora e roteirista de Quando a gente menina cresce, Neli Mombelli é jornalista, professora, documentarista, montadora e produtora audiovisual, desenvolvendo projetos na área de produção cultural. Doutora (2017) e Mestre (2012) em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ela é docente de graduação em Jornalismo e integrante da TV OVO, coletivo audiovisual que trabalha com formação e produção na cidade da região central do estado.
Neli atua na área de Comunicação, com ênfase nas temáticas voltadas para identidade, documentário, audiovisual, cidadania, memória, comunicação comunitária e políticas públicas.
Confira, a seguir, a entrevista exclusiva sobre a produção do longa gaúcho vencedor da Mostra Sedac Iecine. A cineasta respondeu diretamente do set de filmagens da série Rock do K7, com 10 episódios que misturam documentário e ficção para contar a história de 10 veteranas bandas gaúchas que repercutiram de alguma maneira.
Brasil de Fato: Há quase três décadas, a TV OVO tem como ideal o protagonismo juvenil e a vivência comunitária. Quando se pensou em abordar essa “palavra feia chamada menarca”, e qual era a proposta da forma como esse assunto e seu significado social seriam mostrados na tela?
Neli Mombelli: Em 2019, estava em uma festa e tinham reunidas mulheres da minha família, de diferentes idades, dos 50 aos 70 e poucos anos, minha mãe, tias e primas. Não lembro por que a gente começou a falar sobre menstruação, e aí elas contaram histórias muito comuns da época delas. Uma delas falou que descobriu como engravidava só na noite de núpcias, foi o marido dela que explicou pra ela, e achei um pouco chocante.
Até minha mãe, que vem de uma família de oito mulheres, ela sendo a quinta, também quando menstruou não sabia o que era. Na época, ela estava na casa de uma prima do pai dela, e aí a mulher viu que ela tinha menstruado uns dois ou três dias depois que ela estava sangrando porque tinha mancha de sangue no lençol. Ou seja: as meninas menstruavam e não diziam. A primeira coisa que pensavam era estarem doentes. Então, era muito tabu.
Eu fiquei com essa coisa na cabeça, assim, pensando e nesse momento já se falava um pouco da questão da dignidade menstrual, que veio virar projeto de lei em 2022, com a distribuição de absorventes nas escolas. Eu tava com esse tema, já pensando nele há muito tempo, mas eu não sabia muito como abordar, tava tentando criar uma forma. Tentei meninas que estivessem na idade para menstruar para eu acompanhar, assim, meio que como se o filme fosse o diário delas de sensações e emoções, mas eu não consegui nenhuma personagem para isso.
Criei um argumento com conceitos que misturavam o documental com o ciclo da natureza, pensando que essa questão da menstruação é algo ligado à natureza, ao ciclo da lua
Aí comecei a pensar que a escola seria o melhor lugar para se fazer isso, porque é onde a maior parte das meninas menstruam, porque é onde se está nessa idade, nessa época da vida, e porque também tem estatísticas que mostram que boa parte da evasão escolar de meninas é devido à menstruação, elas deixam de ir à aula nos dias que elas estão menstruadas. E outra questão é que a menstruação tem acontecido cada vez mais cedo. Então isso tudo foi se juntando aí para a definição desse tema, e aí eu apresentei para a TV OVO como uma proposta de a gente rodar em escola, pois temos um trabalho nas escolas de formação de oficinas de audiovisual.
E aí precisava da forma, né? Criei um argumento com conceitos que misturavam o documental com o ciclo da natureza, pensando que essa questão da menstruação é algo ligado à natureza, ao ciclo da lua. Eu fiz um estudo desses quatro momentos do ciclo da lua e como é que isso também se reflete quando a mulher menstrua, na parte mais fértil, no momento que ela se vira para dentro de si. E aí eu organizei o argumento em três personagens principais, que seriam, então, personagens de uma escola (que eu ainda precisava ir atrás).
Esses movimentos da natureza, então pegar, sobretudo, outono pro inverno, com essas plantas que estão se encolhendo, fechando pra dormir, e primavera, que vem se desabrochar com tudo, assim bem vibrante, pulsante. E a animação era a forma de eu trabalhar com sensações e sentimentos que eu não conseguiria expressar em imagens o que elas estavam sentindo. E ainda havia mais um quarto elemento que era a videodança, que era uma forma de trazer pro movimento do corpo essa explosão de dentro do corpo. Como eu mostro em imagens o que se está vivendo dentro? Então, mais essa coisa visual do corpo mesmo.

Sobre o recorte, a escolha para a EMEF Prof. Sérgio Lopes ser o pano de fundo do doc é pela razão de se identificar como uma escola feminista?
Inicialmente, a ideia era fazer em uma escola pública e em uma privada, pra gente também mostrar que a questão da menstruação é tabu em qualquer classe social. Antes de rodar, antes de escrever o argumento, na verdade, eu fiz uma enquete pela internet perguntando de histórias de menstruação, se alguém queria contar, que era uma pesquisa para argumento.
Muitas meninas e mulheres me responderam de várias idades, de várias classes sociais, diferentes etnias, e a história é comum. Tem histórias de dificuldades e histórias de uma forma bonita de se lidar com a menstruação, e isso não é só de uma classe específica, elas se misturam. É do ser mulher, ou pelo menos de pessoas que têm útero e menstruam.
Não consegui escola particular, acabei desistindo e fiquei só com a escola pública. Em 2019, eu já tinha trabalhado com oficina de audiovisual na Sérgio Lopes e já tinham saído alguns vídeos bem com pautas femininas. Eu lembro de dois, a gente fazer uns quatro ou cinco vídeos da oficina, porque as turmas eram grandes, e dois deles serem voltados para temas femininos. Já tinha essa parceria com a escola, a escola também tem um olhar muito legal para trabalhar essas questões. Os nomes da sala são nomes de mulheres, então é uma escola que trabalha com protagonismo feminino.
Tem histórias de dificuldades e histórias de uma forma bonita de se lidar com a menstruação, e isso não é só de uma classe específica, elas se misturam
Um dos vídeos fala da divisão de classes sociais. A gente deu oficinas para oitavo e nono ano naquela época, porque a Renascença fica atrás do shopping Praça Nova e é meio uma divisão de classe social. Então um dos vídeos da gurizada falava de que quando eles vão para o shopping eles são muito vigiados pelos seguranças. Então aquilo tocou muito a escola, que começou a trabalhar para que as crianças e os adolescentes pudessem identificar quando eles estavam sendo vítimas de racismo.
Quando eu estava escrevendo o argumento pro edital, eu contatei a professora Andréia Schorn (diretora), era 2021, tinha pandemia ainda, mas a gente já estava se liberando um pouco. E, no dia seguinte, Andréia me mandou uma foto de uma cadeira com uma mancha de sangue. Uma menina tinha menstruado na escola, ela passou em todas as salas para ver quem era, para fazer o acolhimento e tal, e ela não conseguiu descobrir. E naquela época também existia na escola um grupo chamado Sala Malala, em que havia encontros de meninas que já menstruavam, com outras meninas que ainda não tinham menstruado, e rolavam conversas sobre as transformações do corpo. Então, foram todos esses elementos que fizeram com que o filme chegasse na escola.
Como Alana, Ana Julia, Emilly, Isadora, Taiane e Thaila se tornam as personagens centrais – por protagonismo natural e disponibilidade e interesse delas?
Depois, mudou bastante coisa, porque quando a gente volta para rodar em 2023, se dissolveu essa Sala Malala, não tem mais. E também quando eu chego lá é bem no ano em que a escola é dividida, ela fica só até o quinto ano, e do sexto em diante passa para uma outra escola, municipal também, mas para outro lugar, porque eles começam integralizar ao ensino, então não tem espaço naquela escola para os alunos ficarem ali. Por isso, eu acabo trabalhando com meninas de quarto e quinto ano.
As seis meninas se tornam protagonistas porque só temos elas em sala de aula. Entraram outras meninas que passaram pela turma, mas, basicamente, eram só elas o ano inteiro e acompanhamos elas.
O bairro Renascença tem alguma particularidade representativa dentro da cidade?
Sobre o bairro Renascença, ele é a única presença do estado ali naquele bairro. Só tem a escola que é pública, não tem mais nada. O posto de saúde que atende fica na vila Lídia, que é num bairro próximo. Inclusive, a enfermeira e um estagiário da enfermagem que promovem uma mediação de debate sobre as mudanças de transformações do corpo vêm desse posto de saúde pelo projeto chamado Saúde na Escola.
Não tem polícia ali, não tem mais nada, só tem a escola como a única representatividade pública. É um bairro, de certa forma, um pouco esquecido, e bem pequeno, de poucas ruas, e bem populoso, tem muita gente morando ali e muitas relações familiares entre as pessoas que moram ali.
Tu pesquisas há tempos memória e identidade nos documentários. Realmente, o filme ficou leve e sensível, sem ser apenas um clichê de release de divulgação. Sobre a linguagem e a estrutura da narrativa, já havia algum formato pensado para este registro ou ele se fez na montagem, mesmo?
Sobre a linguagem e estrutura narrativa, acho que já respondi um pouco antes, mas dando ênfase: queria falar sobre esse tema e não queria que fosse uma roda de conversa, porque acho que ficaria muito chato. Então, fui criando conceitos de como é que eu poderia abordar toda a complexidade desse tema e construir uma história.
Eram esses conceitos dos movimentos da pesquisa, pensando que também o natural não é natural, quando a gente está falando de menstruação: ele é algo natural do corpo da mulher, mas ele não é visto como algo natural pela sociedade, foi construído assim. Tanto que o nome do projeto inicial é Tesmofórias. Depois, o título do filme muda para Quando a gente menina cresce porque parte de uma das perguntas das meninas durante os encontros com a enfermagem.
Tesmofórias era quando mulheres na época antiga menstruavam, daí tem esse mito de mulheres por conviver e menstruarem juntas. Juntas, elas se reuniam durante os dias de menstruação numa espécie de festa e ofereciam seu sangue para a terra, para a mãe-terra. Era uma espécie de comemoração e após isso foi se construindo tabu socialmente.
A natureza, acompanhar o processo cotidiano das meninas, a videodança e a animação foram as formas de construir a história do documentário, que é um híbrido de linguagem.
O documentário, que estudo há muito tempo, no mestrado e doutorado, é a linguagem que a gente mais pode experimentar, ele é muito aberto.
Tesmofórias era quando mulheres na época antiga menstruavam, daí tem esse mito de mulheres por conviver e menstruarem juntas
Então, eu acho que sempre quando a gente acompanha pessoas não tem como dar errado, porque todo mundo tem uma história legal para contar, toda pessoa interessa, né? Então, acho que é um pouco isso, assim, de forma narrativa. Claro, você precisa criar elementos para ter uma história no final.
Foram mais de 40 diárias, um ano letivo que a gente acompanhou, eu estava a cada 15 dias na escola praticamente, a gente precisa ir construindo essa narrativa. Mas ele acaba sendo um filme meio de Coming of age (“chegada da idade”, em tradução livre), que acompanha um processo, tipo Boyhood (que é uma ficção, mas que acompanha todo o processo de crescimento, essa fase de desenvolvimento de uma pessoa).
Qual o significado para a TV OVO (com o primeiro longa, em quase 30 anos) e para as próprias meninas subirem no palco do Palácio dos Festivais de Gramado para apresentar o filme?
A gente tem muita produção de curtas, algumas coisas de média-metragem, sempre dedicada ao registro de memória, de história, de movimentos sociais, de pautas sociais. Sempre com esse olhar, muito também de Santa Maria, tentando buscar o particular, universal a partir daqui. É muito significativo porque, de certa forma, infelizmente, na historiografia oficial do cinema, tu entra nela quando tu faz um longa.
Para as meninas está sendo mágico, elas estavam muito ansiosas. Muitas delas fizeram uma ou duas viagens sempre de escola também e, imagina, elas indo para um lugar em que elas são as protagonistas, em que todo mundo vai estar olhando para elas, e que elas estão aprendendo que elas podem falar o que elas pensam, que elas podem se expressar e também tem quem as escute, na adolescência, nessa fase da vida.
Qual é a importância hoje dos mecanismos de financiamento públicos, como o FAC, para a realização desse produto audiovisual? E qual o papel do âmbito municipal na realização do doc, no que a Secretaria de Cultura apoiou e como funciona a negociação com a Film Commission, o que ela viabiliza?
Os editais nos dão oportunidade de nos desenvolvermos artisticamente, mesmo que o recurso não seja o suficiente. Digo isso porque rodamos o longa com mais de 40 diárias dentro da linha de BO (baixo orçamento), de R$ 500 mil.
Então também houve muita entrega por parte dos profissionais da equipe que ajudaram a viabilizar e abraçaram o filme dentro do recurso que possuíamos. Editais são importantes para fomentar novas ideias, novas produções, novas experimentações e novas relações entre a cadeia de profissionais do setor.
A Film Commission de Santa Maria está se estruturando e nos auxiliou com hospedagem para duas profissionais da equipe que eram de fora da cidade.
Lista de premiados na Mostra Sedac Iecine de Longas-metragens Gaúchos
Melhor Filme: Quando a Gente Menina Cresce, de Neli Mombelli
Direção: Jonatas e Tiago Rubert, por Uma em Mil
Ator: Stephane Brodt, por Passaporte Memória
Atriz: Lara Tremouroux, por Passaporte Memória
Roteiro: Jonatas e Tiago Rubert, por Uma em Mil
Fotografia: Bruno Polidoro, por Bicho Monstro
Direção de arte: Gabriela Burck, por Bicho Monstro
Montagem: Joana Bernardes e Thais Fernandes, por Uma em Mil
Desenho de som: Rodrigo Ferrante e André Tadeu, por Rua do Pescador n° 6
Trilha musical: Renato Borghetti, por Rua do Pescador n° 6
Menção Honrosa: para o elenco feminino de Quando a Gente Menina CresceMelhor Filme pelo Júri Popular: Quando a Gente Menina Cresce, de Neli Mombelli