No segundo dia de julgamento do chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe, nesta quarta-feira (3), César Vilardi, advogado do ex-presidente e réu Jair Bolsonaro (PL), afirmou que o seu cliente foi “dragado para os fatos” com a delação de Mauro Cid e a minuta golpista. Ele também defendeu a nulidade dos depoimentos de Mauro Cid. “O presidente não atentou contra o Estado Democrático de Direito. Não há uma única prova”, disse.
A defesa ainda argumentou que o ex-ajudante de ordens mentiu na delação premiada e criticou a manutenção do acordo. “Ele mudou sua versão diversas vezes, e isso consta de relatório da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público de novembro, que apontam omissões e contradições reiteradas”, disse o advogado.
Vilardi voltou a falar em coação de Mauro Cid durante a delação, o que foi, inclusive, desmentido pela defesa do tenente-coronel na sustentação oral no primeiro dia de julgamento. O advogado do ex-presidente, no entanto, afirmou que a “narrativa de que a delação seria ‘voluntária’ cai por terra quando o próprio colaborador afirma, em conversas registradas, que foi induzido e dirigido. Isso não é novidade: declarações semelhantes já haviam sido divulgadas pela imprensa”.
A defesa ainda argumentou que a denúncia do Ministério Público carece de provas consistentes e busca, “de maneira forçada”, vincular Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes. “Não existe prova que vincule o presidente ao 8 de janeiro, nem comunicação, nem e-mail, nem testemunho direto. A acusação baseia-se apenas na narrativa de que uma minuta teria sido impressa no Palácio e, no mesmo dia, levada ao Alvorada. Nada além disso”, acrescentou.
E voltou a falar da delação de Mauro Cid: “Aliás, nem o delator, que eu sustento que mentiu contra o presidente da República, nem ele chegou a dizer [que houve] participação em Punhal, em Luneta, em Copa [parte do plano Punhal Verde Amarelo, segundo a PGR], em 8 de Janeiro. Nem o delator [diz], não há uma única prova”, disse o advogado.
Vilardi também falou sobre a minuta de um decreto, encontrada na residência de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, que permitiria ao governo Bolsonaro declarar estado de sítio. Para o advogado, a minuta é apenas um rascunho sem validade jurídica e sem qualquer evidência de ter sido levada adiante. “Transformar esse documento em prova de golpe é uma ficção”, afirmou, reforçando que a acusação se baseia em presunções e não em fatos concretos.
Por fim, a defesa pediu a absolvição do ex-presidente, reiterando que não há elementos que sustentem a acusação de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. “O planejamento, por mais minucioso que seja, não é execução. Só a prática efetiva da violência consuma o delito. Não é possível falar em início de execução numa transmissão ao vivo. Onde está a violência ou a grave ameaça?”
“Não é razoável cogitar pena superior a 30 anos para um fato narrado por delator, envolvendo reunião entre presidente da República, ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas, sem qualquer ato subsequente”, concluiu.
Núcleo crucial
Jair Bolsonaro faz parte do chamado “núcleo crucial” da trama golpista. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de todos os réus: o ex-presidente, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
“Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si. O grau de atuação de cada qual no conjunto dos episódios da trama é questão de mensuração da culpa e da pena, mas não da responsabilidade em si”, defendeu o PGR.
“A tentativa de insurreição depende de inteligência de eventos, que desligados entre si nem sempre impressionam sob o ângulo dos crimes contra as instituições democráticas, mas que vistos em seu conjunto destapam uma unidade na articulação de ações ordenadas ao propósito do arbítrio e do desbaratamento das instituições democráticas”, disse em outro trecho.
A condenação ou absolvição será definida por maioria simples da Primeira Turma, ou seja, pelo menos três dos cinco ministros. Além de Moraes, o colegiado é formado por Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Independentemente do resultado do julgamento, as partes podem recorrer da decisão no próprio STF.
No primeiro dia de julgamento, Moraes leu o relatório e, em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as acusações. Depois, houve a sustentação oral das defesas de Mauro Cid, Almir Garnier, Alexandre Ramagem e Anderson Torres. Seguindo o cronograma, nesta quarta-feira (3), falam os advogados de Augusto Heleno, Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e do general Walter Braga Netto.
Após a sessão desta quarta, o julgamento será retomado na terça-feira (9), com os votos dos ministros em duas sessões. A previsão, portanto, é que o processo seja concluído na sexta-feira (12).
Todos os réus, com exceção de Alexandre Ramagem, respondem pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. No caso do deputado, os dois últimos crimes não estão na lista. As penas podem chegar a cerca de 40 anos de prisão.