Assim como a defesa de outros réus no Supremo Tribunal Federal (STF) pela trama golpista, o advogado do ex-ministro Walter Souza Braga Netto tentou diminuir o peso da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid nas investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e pediu a anulação do acordo.
José Luis Oliveira Lima disse que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) “mente descaradamente”. “Vai dar credibilidade a este réu delator? Que mente descaradamente o tempo inteiro? Que mente nesta Corte, que mente perante o interrogatório? Não é possível. Não é possível, ministro Flávio Dino”, disse o advogado do general durante o segundo dia de julgamento na Primeira Turma do STF, nesta quarta-feira (3).
“Evidentemente que essa defesa tem que se indignar com isso, meu cliente está preso, meu cliente está preso com base na delação dele. Foi esse fato que trouxe a prisão do meu cliente”, declarou. Braga Netto está preso desde dezembro do ano passado por suspeita de obstrução de justiça.
Em depoimento, Mauro Cid afirmou que Braga Netto e outros aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro procuraram seu pai, o general Mauro Lourena Cid, para obter informações sobre o acordo de delação premiada.
“Um irresponsável esse tenente-coronel Mauro Cid e um irresponsável para ser educado com a palavra porque eu estou no STF e tenho que ter a liturgia”, afirmou Lima. “Como é que pode essa delação ficar em pé? Ela é um pó, ela é nada, ela é uma farsa. E não tem nenhuma outra prova contra Braga Netto. Eu sou um defensor do acordo de delação premiada. Mas ele tem que ser coerente, tem que ter provas.”
Em sua delação, Cid afirmou que Braga Netto possuía uma “relevante participação na incitação dos movimentos populares”, mantendo “contato entre os manifestantes acampados na frente dos quartéis e o Presidente da República”. Para corroborar a afirmação, Cid lembrou de um vídeo de 18 de novembro de 2022, após o resultado da eleição presidencial, em que Braga Netto diz para apoiadores de Bolsonaro não perderam a “fé”.
Além de pedir o cancelamento da colaboração premiada, o advogado de Braga Netto solicitou a anulação do processo devido à negativa do ministro Alexandre de Moraes para gravar a acareação entre o general e Mauro Cid. “A defesa entende que essa decisão do eminente relator maculou o direito de defesa e, por esse motivo, o processo deve ser anulado a partir deste ato”, disse.
Em outro momento, Lima afirmou que o general teve seu direito de defesa violado devido à “quantidade industrial de documentos”, que não teria sido apresentada de maneira organizada.
“Entendo que neste processo, que para muitos é o julgamento mais importante da história do STF, que tem repercussão internacional, o direito de defesa não pode ter nenhuma mácula. Neste processo, esta defesa não teve acesso pleno. Tivemos acesso à quase totalidade dos documentos no dia 17 de maio deste ano, dois dias antes do início da instrução”, afirmou Lima.
O defensor afirmou que não se pode condenar alguém com “base em narrativas” e alegou que o Ministério público não apresentou provas. “Não por incompetência, não por inércia [não foram apresentadas provas]. É porque não as tem em relação a Walter Braga Netto. Com toda essa quantidade industrial de documentos, o que temos contra Braga Netto é essa delação e oito prints”, acrescentou.
“Preciso dizer com todas as letras, já no início desta fala, Walter Souza Braga Neto é inocente. Walter Souza Braga Netto é inocente. E quem diz isso? Não é este advogado, são os autos”, declarou Lima. “Eu estou defendendo um homem de 40 anos de serviços prestados a esse país, ao Exército Brasileiro, um homem sem mácula, sem qualquer mancha na sua carreira. E se a denúncia for aceita da forma como foi proposta pelo Ministério Público, este homem que tem 69 anos provavelmente passará o resto da sua vida no cárcere”, concluiu.
Julgamento
Braga Netto faz parte do chamado “núcleo crucial” da trama golpista. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de todos os réus: o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
“Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si. O grau de atuação de cada qual no conjunto dos episódios da trama é questão de mensuração da culpa e da pena, mas não da responsabilidade em si”, defendeu o PGR.
“A tentativa de insurreição depende de inteligência de eventos, que desligados entre si nem sempre impressionam sob o ângulo dos crimes contra as instituições democráticas, mas que vistos em seu conjunto destapam uma unidade na articulação de ações ordenadas ao propósito do arbítrio e do desbaratamento das instituições democráticas”, disse em outro trecho.
A condenação ou absolvição será definida por maioria simples da Primeira Turma, ou seja, pelo menos três dos cinco ministros. Além de Moraes, o colegiado é formado por Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Independentemente do resultado do julgamento, as partes podem recorrer da decisão no próprio STF.
No primeiro dia de julgamento, Moraes leu o relatório e, em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as acusações. Depois, houve a sustentação oral das defesas de Mauro Cid, Almir Garnier, Alexandre Ramagem e Anderson Torres. Seguindo o cronograma, nesta quarta-feira (3), falaram os advogados de Augusto Heleno, Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e do general Walter Braga Netto.
Após a sessão desta quarta, o julgamento será retomado na terça-feira (9), com os votos dos ministros em duas sessões. A previsão, portanto, é que o processo seja concluído na sexta-feira (12).
Todos são os réus respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem chegar a cerca de 40 anos de prisão.