Integrantes e apoiadores da ocupação Casa Almerinda Gama, responsável por acolher mulheres e crianças vítimas de violência desde 2022 realizam na tarde desta quarta-feira (3) uma manifestação para cobrar diálogo com a Secretaria da Mulher do Estado do Rio de Janeiro.
O imóvel de dois andares localizado na rua Carioca, 37, no centro da capital, está na lista do governo do estado para ser colocado à venda por meio do Projeto de Lei Complementar 40/25 enviado pelo executivo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Um imóvel tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e em mau estado de conservação pelo poder público.
Desde de 2023 a ocupação é alvo de uma ação do governo estadual que pede a desocupação do imóvel, ainda que esteja sem uso pelo estado. A coordenadora do espaço, Monique Zuma, relaciona o andamento do processo ao anúncio feito pela criação da “Rua da Cerveja” e a primeira decisão pela desocupação foi emitida pela justiça em junho de 2024.
O movimento conseguiu encaminhar o processo para uma comissão de solução administrativa, mas as negociações foram emperradas em agosto deste ano. “Na mesma semana do início das obras da Rua da Cerveja, a Secretaria de Mulheres do Estado do RJ e a Casa Civil informaram que não tem mais interesse na mediação e encerraram o procedimento de forma unilateral, através de um ofício”, relata ao Brasil de Fato. Com isso, volta a valer a decisão de despejo de 2024. Ao longo de três anos, a ocupação acolheu mais de 200 mulheres e abrigou mais de 30 mulheres e 6 crianças.
Em resposta à reportagem, a Secretaria da Mulher declarou que reconhece a importância dos movimentos sociais, mas diz que o estado já possui “uma robusta rede de proteção à mulher” composta por três Centros integrados de atenção à mulher (Ciam) na capital e Baixada, 14 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), um abrigo sigiloso e 47 equipes da Patrulha Maria da Penha.
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Acolhimento de mulheres
Nascida em 8 de março de 2022, a Casa Almerinda Gama foi a nona ocupação do movimento de mulheres Olga Benário, que realiza ocupações para denunciar a insuficiência de políticas públicas para as mulheres e a especulação imobiliária desde 2016. “Transformamos o prédio em um espaço que acolhe e abriga temporariamente mulheres em situação de violência, com atendimento por rede de profissionais voluntárias, encaminhamento para equipamentos públicos como a clínica da família, delegacia da mulher e Casa da Mulher Carioca”, disse a coordenadora da Casa, Monique Zuma.
Ela conta que o acolhimento é temporário, costuma durar cerca de três meses, mas pode ser estendido. O primeiro acolhimento é feito por uma das coordenadoras da casa e há uma equipe de voluntárias advogadas, psicólogas e assistentes sociais. “Também recebemos encaminhamento de equipamentos da rede pública e da sociedade civil, e encaminhamos pra outros serviços”, completa Zuma.
Gentrificação
Laisa Stroher, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Observatório das Metrópoles e do LADU (FAU/UFRJ), o que torna ainda mais controverso o anúncio de venda dos imóveis feito pelo governo do estado é o fato de que eles estão sendo usados para cumprir funções que são do próprio poder público. Entre os exemplos, ela cita a Casa NEM, que oferece serviço de acolhimento à população LGBTQIA+ e a própria Casa Almerinda Gama.
“Acho que enquanto sociedade preocupada com a destinação do bem público, a primeira pergunta importante a se fazer é: por que vender? Qual é a prioridade de a gente ter um bem público destinado para a exploração de um grande agente econômico por meio de um aluguel de temporada? Então, é importante dizer que existem outras formas de lidar”, disse Stroher ao Brasil de Fato.
Ela entende que o centro da capital vive um processo conhecido como gentrificação, em que há um processo de transformação do perfil da população que ocupa determinada área de uma faixa mais baixa para uma mais elevada. “Quando o projeto de lei do governador Claudio Castro [PL] prevê tanto a venda de imóveis ocupados por moradia de população de baixa renda, como de imóveis que oferecem serviços para as populações vulnerabilizadas que tanto moram como frequentam o centro, ele está diminuindo o número de pessoas de baixa renda que vivem no centro e também vai inviabilizando a permanência dessa população na medida que vou diminuindo os serviços que servem de apoio para a permanência dessa população”, avalia.
A pesquisadora acrescenta que o plano de habitação de interesse social para a área portuária, também na região central, prevê a criação de 10 mil habitações de interesse social no centro. “A gente tem mais de 2 mil pessoas morando em situação de rua, temos quase 2.700 pessoas morando em cortiços, mais de 7 mil pessoas morando em ocupações, mais de 5 mil pessoas morando nas favelas, no centro”, disse.
Como exemplos que poderiam ser adotados para valorizar as habitações sociais no centro e melhorar a qualidade das estruturas existentes, ela cita o trabalho realizado por algumas ocupações no centro do Rio. Esse é o caso da ocupação Manoel Congo, ao lado da Câmara de Vereadores, que teve um imóvel reformado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a partir de recursos do Minha Casa Minha Vida e Entidades.
“Aqui na América Latina, ainda podemos falar da parceria no Uruguai entre o poder público e as cooperativas habitacionais, que têm sido muito bem-sucedidas em realizar reformas de edifícios ociosos no centro de Montevidéu para a população de baixa renda”, conta.
Esta matéria foi atualizada às 15h23 para incluir o posicionamento da Secretaria da Mulher do Estado do Rio de Janeiro.