Para o cientista político e professor Paulo Niccoli Ramirez, a tramitação do Projeto de Lei (PL) da Anistia no Congresso e a proposta alternativa articulada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), reproduzem uma prática histórica das elites brasileiras de “colocar debaixo do tapete” crimes contra a democracia.
“Nós já fizemos isso com a escravidão, não culpabilizando os escravocratas; fizemos com a ditadura, com uma anistia que deu plena liberdade aos torturadores e aos mentores do golpe de 64; e agora, mais uma vez, estamos dando um péssimo exemplo”, diz o especialista, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Segundo Ramirez, há uma tentativa de reduzir punições ou até abrir caminho para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no julgamento Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga a tentativa de golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022. Na sua visão, a movimentação tem como objetivo também favorecer a candidatura presidencial em 2026 do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“O Congresso, talvez, esteja pensando numa forma de não só reduzir a punição e até mesmo dar uma anistia ao Bolsonaro, como também abrir caminho para que Tarcísio seja candidato à presidência, tirando Bolsonaro da vida política. Talvez esse seja o grande acordo por trás de toda essa orquestração, porque a grande preocupação dos bolsonaristas nunca foi o Brasil, o que há de maior preocupação é tentar livrar o Bolsonaro da cadeia”, avalia.
O professor considera arriscada a aposta de Tarcísio, já que o apoio à anistia pode ter um peso eleitoral negativo. “Pesará contra todos os bolsonaristas, ainda mais Tarcísio, uma placa na testa escrito: ‘Eu fui a favor do golpe’. Certamente o PT vai usar e reutilizar a imagem de Tarcísio atrelada ao bolsonarismo [na próxima campanha eleitoral”, diz.
Uma pesquisa do instituto Datafolha divulgada no início de agosto aponta que 61% dos eleitores não votariam num candidato que prometesse anistiar Bolsonaro e outros acusados de tentar um golpe de Estado.
Para o cientista político, o movimento sinaliza impunidade e uma ameaça à democracia. “São fascistas, indivíduos que tentaram corromper a democracia e colocar em risco toda a sociedade. É algo que vai ficar para a história como mais uma mancha que destrói a imagem do país”, critica.
Fragilidade do governo no Congresso
Ramirez também destaca que a base parlamentar de Lula está enfraquecida, especialmente após o anúncio de desembarque do PP e do União Brasil, o que, na sua avaliação, dificulta frear as articulações. Ele alerta para o risco de repetição do cenário que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
“Há o risco de uma tentativa de impeachment, isso é muito notório nesse movimento desses partidos de centro. O PT não deve visar unicamente a campanha presidencial, é muito importante eleger o maior número possível de congressistas”, defende.
Segundo o professor, 2025 e 2026 tendem a ser anos em que o Congresso ficará dominado por pautas da extrema direita. “São praticamente anos perdidos em termos legislativos, já que o que haverá de maior interesse é tentar salvar Bolsonaro e vencer as eleições”, lamenta.
No entanto, ele acredita que, mesmo que o projeto de anistia avance no Congresso, há a possibilidade de veto presidencial ou declaração de inconstitucionalidade pelo STF. “Uma ação golpista é anticonstitucional por excelência, não é negociável, é um ataque contra os poderes soberanos”, aponta. Para ele, aprovar a anistia seria “um tapa na cara na democracia da sociedade brasileira e uma forma de legitimar o autoritarismo”.
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