O Brasil contava com cerca de 1.800 agentes ambientais federais em 2009. Em 2021, o número despencou para apenas 630 – uma redução de mais de 65% no efetivo de fiscais responsáveis por autuar, embargar, vistoriar e coibir crimes ambientais em todo o país. Em junho de 2025, o número subiu para 771 fiscais, mas segue distante da capacidade necessária.
As informações foram obtidas pelo Brasil de Fato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelam um colapso na fiscalização ambiental, resultado de um processo de desmonte que se intensificou a partir de 2019.
A queda de efetivo é acompanhada de uma redução expressiva nas autuações por crimes ambientais. Entre 2010 e 2022, os autos de infração aplicados caíram mais de 55% – de 19.645 registros, em 2010, para 8.391, em 2021. A tendência de queda se manteve mesmo com o aumento dos alertas de desmatamento, queimadas e garimpo ilegal.
A servidora Tânia Maria de Souza, presidenta da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), avalia que o processo de desestruturação teve consequências profundas e duradouras.
“Uma árvore demora de 20 a 30 anos para ficar adulta. Para derrubar demora quantos minutos? Destruir é muito fácil, mas retomar é um processo lento”, analisa. “Retomar os colegiados, retomar as fontes de financiamento, reabrir os processos, você tem aí um conjunto de ações que demora muito.”
Servidores pedem nomeações antes da COP30
Nesta quarta-feira (3), a Ascema protocolou, em Brasília, uma carta aberta elaborada em conjunto com as comissões de aprovados nos concursos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
O documento solicita a nomeação imediata de todos os aprovados antes da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), prevista para novembro de 2025 em Belém (PA).
Segundo o texto, o quadro atual de servidores ativos é “incompatível com a magnitude das atribuições legais do MMA e suas autarquias”. A carta cobra posicionamentos do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), do Ministério do Planejamento e da Presidência da República.
“Hoje vivemos com menos da metade dos servidores que existiam há dez anos. O governo tem disposição política para retomar, mas reconstrução se faz com pessoal, equipe técnica e presença nos territórios, não apenas com seminários ou reuniões.”, afirma Souza, em entrevista ao Brasil de Fato.
De acordo com o levantamento da Ascema, no Ibama, o déficit atual é de 50,9% para analistas ambientais e 82,6% para analistas administrativos. No ICMBio, apenas 1.506 servidores permanecem ativos – o que corresponde a 55% da estrutura legal prevista.
A iminente aposentadoria em massa dos servidores ambientais adiciona um elemento ainda mais urgente à crise. “A maioria dos nossos servidores já passou da idade para aposentar. Estão ficando por comprometimento com a causa ambiental”, relata a presidente da Ascema Nacional, destacando que o esvaziamento pode se agravar abruptamente.
A carta aberta protocolada alerta que mais de 50% do quadro de servidores do Ibama e do ICMBio já possui tempo de aposentadoria. “A cada ano, dezenas de trabalhadores deixam a administração pública sem reposição”, diz o documento.
Fiscalização foi desmontada durante o governo Bolsonaro
Embora o encolhimento do quadro de fiscais não seja um fenômeno pontual, ele se aprofundou no governo de Jair Bolsonaro (2019–2022). O período foi marcado por perseguições a servidores, congelamento de concursos, cortes orçamentários e tentativas de militarização da estrutura ambiental.
Para Tânia Maria de Souza, a gestão Bolsonaro foi o cúmulo de um cenário de profunda fragilidade nos órgãos ambientais federais, mas há um ataque mais complexo, que envolve medidas legislativas, como, por exemplo o Projeto de Lei (PL) da Devastação, que descaracterizou o processo de licenciamento ambiental no Brasil. “O sistema inteiro está sendo atacado e desmontado”, pontua.
Ela relata que os servidores dos órgãos ambientais enfrentaram um ambiente de “assédio institucional” e enfatiza que a gestão anterior representou o ápice dessa crise, como uma amostra “clara sobre o que a gente está assistindo de desmonte ao longo desses anos todos”.
A expressão “passar a boiada”, utilizada pelo então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, tornou-se símbolo da política de flexibilização e desregulamentação ambiental. Em abril de 2020, em reunião ministerial, Salles sugeriu que o governo aproveitasse a pandemia para promover mudanças infralegais. Na prática, a diretriz resultou na redução de fiscalizações e na retração da presença do Estado em regiões críticas, como a Amazônia Legal.

Avanço do crime ambiental e retração do Estado
Enquanto a fiscalização recuava, os crimes ambientais se intensificaram. De acordo com dados do MapBiomas, mais de 90% do desmatamento no Brasil é ilegal. A área desmatada anualmente aumentou 56% durante o governo Bolsonaro, na comparação com os quatro anos anteriores.
Levantamento do MapBiomas aponta que 58% de toda a superfície minerada no país desde 1500 foi aberta entre 2015 e 2024. Dois terços dessa expansão ocorreu na Amazônia e o crescimento é impulsionado pelo garimpo ilegal, que dobrou na última década.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem reconhecido publicamente o tamanho do desafio imposto pelo desmonte. Em diversas ocasiões, ela destacou que a reconstrução da estrutura ambiental exige tempo, recursos e estabilidade institucional.
“Foram quatro anos de destruição. Não se recupera um país do dia para a noite. Estamos contratando novos servidores, reconstruindo sistemas, redesenhando políticas públicas. Mas é preciso reconhecer que o impacto foi brutal”, afirmou Marina, em entrevista ao jornal O Globo, em abril de 2024.
A perda de atratividade da carreira ambiental também ajuda a explicar a crise atual. “Era uma das dez carreiras mais bem pagas da Esplanada. Hoje, estamos lá na posição 60 e alguma coisa”, lamenta Souza.
Essa desvalorização progressiva transformou a profissão em uma “carreira de transição”, segundo ela, levando muitos servidores a migrar para outros órgãos ou setores com melhores condições salariais e estruturais. A alta rotatividade e a evasão de profissionais qualificados comprometem não apenas a continuidade das ações, mas o acúmulo de experiência técnica nos órgãos ambientais.
A estagnação dos concursos, somada à evasão de servidores, resulta em uma estrutura frágil, sem fôlego para enfrentar os desafios ambientais cada vez mais complexos. A sobrecarga causada por essa precarização estrutural tem impactos diretos sobre a saúde dos trabalhadores. “A primeira coisa que eu já falo é que impacta na saúde física e mental, tá? Estamos todos cansados, absurdamente cansados”, afirma.
Quando convidada a imaginar um cenário ideal para o fortalecimento da política ambiental no Brasil, a presidente da Ascema afirma que “o sonho é ver os órgãos ambientais fortes, respeitados, com servidores valorizados e em número suficiente para cobrir todo o território nacional”. Ela visualiza equipes numerosas e bem equipadas em todas as frentes — fiscalização, licenciamento, conservação, pesquisa — trabalhando com autonomia técnica e respaldo institucional, sem sofrer interferência política nem assédio institucional.
Neste horizonte desejado, as estruturas federais teriam orçamento garantido, concursos regulares e capacidade de formar quadros especializados para lidar com os desafios da emergência climática e da preservação ambiental. “A gente precisa de uma estrutura permanente, contínua, que não fique à mercê de governos que vêm e vão”, resumiu.
Tânia Maria de Souza acredita que esse futuro ainda é possível, mas depende de vontade política, planejamento e, sobretudo, da reconstrução urgente da capacidade estatal destruída nos últimos anos.
O que dizem os ministérios
O Brasil de Fato questionou o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) sobre as dificuldades para a recomposição do quadro de servidores, mas, até o fechamento desta reportagem, os órgãos não haviam respondido.