Com o objetivo de combater a violência contra a mulher e promover a igualdade de gênero, a capital gaúcha sediou, nesta quarta-feira (3), o lançamento da campanha “Fim da Linha para a Violência contra a Mulher”. O evento ocorreu na Estação Mercado da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) e marcou também a reativação do Comitê Gaúcho em Apoio ao HeForShe (ElesPorElas), programa da ONU Mulheres, reinstalado na Universidade La Salle (Unilasalle), em Canoas (RS).
O lançamento contou com a presença do articulador nacional do HeForShe, Edegar Pretto, e do músico da banda Nenhum de Nós Thedy Corrêa, que assume a coordenação da iniciativa no estado. A campanha tem apoio da Defensoria Pública do RS, Agência Moove, Trensurb, Universidade La Salle, Museu da Cultura Hip Hop e da Assembleia Legislativa do RS.
Ao Brasil de Fato RS, o presidente da Trensurb, Nazur Garcia, destacou a importância da participação da empresa. “Mais de 60% dos nossos usuários são mulheres, e isso há mais de 20 anos. Portanto, as estações são espaços privilegiados para trabalhar a conscientização. Aqui, cedemos áreas para painéis, adesivos de piso e grafitagem, uma por município. Também temos o Banco Vermelho, e em breve será lançado outro na estação Canoas.”

Garcia também falou das ações da empresa, como atividades do Agosto Lilás e a criação de um protocolo interno de assédio com canais seguros de denúncia. “O feminicídio é o ponto final de uma história de violência que, muitas vezes, começa dentro do lar. Campanhas como essa são fundamentais. O HeForShe tem uma sacada importante: em vez de falar apenas para as mulheres, chama os homens a se responsabilizarem e falarem com outros homens sobre o respeito às mulheres.”
De acordo com a 19ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado por pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o país registrou novo recorde de feminicídios, estupros e estupros de vulnerável em 2024. Foram registrados 1.492 feminicídios, sendo que 97% foram assassinadas por homens e 64,3% ocorreram dentro de casa. Em relação aos estupros de vulnerável, o país registrou 87.545 ocorrências, ou seja, uma mulher foi estuprada a cada seis minutos.

Defensoria Pública alerta para a violência dentro de casa
O defensor público Rodolfo Medeiros lembrou que a maioria dos feminicídios no Rio Grande do Sul ocorre dentro do lar. “O mote é muito forte: a mulher que entra no trem deveria chegar em casa e encontrar acolhimento, paz e tranquilidade. Mas muitas vezes, o destino final dela é justamente onde a violência a espera.”
No Rio Grande do Sul, em 2024, de acordo com o Mapa de Feminicídios da Polícia Civil, dos 72 feminicidios, 84,7% foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros. A residência foi o local de 72% dos crimes.
“Queremos conscientizar não apenas as mulheres sobre seus direitos, mas também que os homens parem, pensem e reflitam. Os feminicídios têm aumentado no estado e, em sua maioria, acontecem dentro de casa. Queremos atuar na base, para que meninos e jovens não repitam o comportamento machista introjetado na sociedade”, pontuou o defensor. Ele reforçou que a Defensoria está disponível para apoio às vítimas pelo telefone 129.
Papel da universidade na transformação social
Para o reitor da Unilasalle, Cledes Antonio Casagrande, a adesão ao HeForShe é também um compromisso coletivo das instituições de ensino. “A educação tem papel fundamental em qualquer momento histórico, especialmente na defesa dos direitos das mulheres, da igualdade e da tolerância. Muitas vezes pensamos que o machismo é um problema apenas das gerações mais antigas, mas os dados mostram que os jovens também têm reproduzido comportamentos violentos.”
Segundo ele, a situação mostra a urgência de reforçar dentro das universidades uma educação crítica, libertadora e transformadora. “Nossa missão é formar pessoas que possam transformar a sociedade. Não podemos mudar tudo sozinhos, mas podemos educar para que elas mudem. O projeto da ONU Mulheres é fundamental, e a Universidade La Salle está junto nessa luta.”

Cultura Hip Hop: compromisso com investimento
O rapper, militante do Hip Hop e do movimento negro Rafael Diogo dos Santos, mais conhecido como Rafa Rafuagi, fundador do primeiro Museu da Cultura Hip Hop da América Latina, recordou da trajetória do movimento e anunciou aportes financeiros para ampliar a campanha. “Em 2018, a partir da Casa da Cultura Hip Hop de Esteio, criamos o coletivo Hip Hop Linha do Trem, que promoveu as primeiras capacitações de homens com homens pelo fim do machismo. Esse processo transformou não só a minha forma de agir como cidadão, mas também como liderança cultural.”
Conforme frisou Rafuagi, não existe possibilidade de uma campanha ganhar adesão sem investimento. “Não se combate violência contra a mulher, racismo ou homofobia sem recursos. Por isso, o Museu da Cultura Hip Hop vai aportar R$ 100 mil na próxima campanha e R$ 24 milhões nos próximos quatro anos para levar a iniciativa às periferias. Nossa equipe é formada em 55% por mulheres, inclusive na alta gestão. Queremos que essa campanha chegue a quem mais precisa. Essa luta é de todos nós, e precisamos avançar urgentemente.”

Políticas públicas e engajamento masculino
Durante o lançamento da campanha “Fim da Linha para a Violência contra a Mulher”, autoridades e representantes de diferentes instituições reforçaram a importância da união no enfrentamento à violência de gênero.
A subchefe da Defensoria Pública do RS, Sílvia Pinheiro de Brum, pontuou que o feminismo ensina que a luta só faz sentido quando é feita em conjunto com outras pessoas e instituições. “Aqui eu sinto muito fortemente essa união. Nós estamos todos juntos lutando pelo fim da violência contra as mulheres”, afirmou.
Ela comentou que a Defensoria desenvolve, dentro do programa “Defensoria Para Elas”, iniciativas como grupos reflexivos para adolescentes em conflito com a lei, o Projeto Praças, que trabalha com homens privados de liberdade, e o Chega Disso, voltado às escolas. “A violência contra a mulher precisa ter visibilidade. As pessoas têm que ver para acreditar. Como diz o feminismo negro, a gente só consegue sonhar com aquilo que vê”, concluiu.

Compromisso do poder público
O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), coordenador da Frente Parlamentar de Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, frisou a necessidade de compromisso do poder público. “O Rio Grande do Sul figura como um dos estados mais violentos da federação. Isso se deve à falta de investimento e de um olhar sensível do estado. Ficamos felizes com a retomada da Secretaria de Políticas para as Mulheres, fruto da mobilização das mulheres”, disse.
O parlamentar defendeu que o combate à cultura machista seja tratado desde cedo no ambiente escolar. “Queremos que todas as escolas públicas, e esperamos também as privadas, possam incluir essa temática no currículo, para que pelo menos uma vez por semestre se debata a Lei Maria da Penha. Só assim a próxima geração terá outra visão de sociedade”, destacou.
Em tom de diálogo com o tradicionalismo gaúcho, o deputado lançou um recado: “Queremos dizer que o gaúcho bem macho não maltrata a companheira. Seguimos juntos pelo fim da violência contra a mulher”.

Protagonismo e mudança de consciência
Já o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, sublinhou que o protagonismo da luta contra a violência é das mulheres, mas destacou a importância do engajamento masculino. “O protagonismo da luta pela igualdade, pelo combate à violência, pelo combate ao machismo é das mulheres há mais de 100 anos. Nós, homens, nunca tivemos um movimento organizado nacionalmente para isso. Jamais andaremos à frente; queremos estar ao lado dessa luta que as mulheres fazem de forma organizada há tanto tempo”, afirmou.
De acordo com o dirigente, o Comitê Gaúcho do HeForShe é o único regional do mundo. Ele também reforçou que não basta apenas políticas públicas: “Nem todo o orçamento dos governos será suficiente se não mudarmos a consciência dos homens, se não mudarmos essa cultura machista que oprime, machuca e mata. Cada um precisa dar um passo à frente no seu dia a dia, dentro de casa, nas empresas, nas escolas e nas universidades, para encurralar essa violência que não tem explicação”.
Pretto recordou experiências como a campanha da Máscara Roxa, criada durante a pandemia, que transformou farmácias em pontos de acolhimento a mulheres em situação de violência, e a mobilização de torcidas de Grêmio e Inter em ações de conscientização. Ele também anunciou que a Conab vai destinar R$ 200 mil ao Comitê Nacional do HeForShe.
Campanha transforma trem em espaço de denúncia e reflexão
A campanha publicitária “Fim da Linha para a Violência contra a Mulher”, desenvolvida pela Agência Moove, está utilizando o trem metropolitano para chamar a atenção sobre a violência doméstica. Com a pergunta provocadora “Voltar para casa dá medo?”, a iniciativa busca mobilizar a sociedade para enfrentar uma das formas mais recorrentes de agressão contra as mulheres: aquela que acontece dentro do próprio lar.
De acordo com o diretor da agência, Ricardo Bottega, a escolha do trem tem relação direta com a rotina de milhares de pessoas que transitam diariamente entre casa e trabalho. A companhia chegou a transportar, nesta segunda-feira (2), 100 mil pessoas. Com extensão de 43,8 km, a empresa opera em seis dos principais municípios da região Metropolitana de Porto Alegre. “O trem representa o ir e vir do dia a dia, e é o lugar ideal para provocar essa reflexão e estimular a ação contra a violência doméstica”, explica a equipe criativa.
As peças da campanha utilizam imagens de casas e prédios estilizados, que remetem a rostos com hematomas, lágrimas e expressões de dor. Nas janelas, cenas discretas sugerem discussões familiares, reforçando o contraste entre a ideia de lar como espaço de proteção e sua realidade como cenário frequente de violência. Em todas as peças, estão destacados os canais de denúncia, como o 180 e outras plataformas de apoio às vítimas.

Intervenções no trem e nas estações
Um dos destaques da campanha será o envelopamento de vagões de trem com ilustrações das casas, transformando o transporte coletivo em veículo da mensagem. Dentro dos vagões, a proposta é criar a sensação de estar em um ambiente doméstico, com quadros, tapetes e relógios, para lembrar que é nesse espaço que muitas agressões acontecem.
A campanha também faz uma reflexão sobre o tempo: enquanto o percurso entre duas estações pode durar 20 minutos, o tempo que uma mulher leva para denunciar um abuso pode chegar a cinco anos. A comparação busca sensibilizar para a urgência da denúncia e do acolhimento.
Além disso, a ação inclui cartazes, painéis, adesivos de chão e vídeos animados espalhados pelas estações, chamando a atenção dos passageiros.
Ações e engajamento cultural
Entre as ativações criativas, a banda Nenhum de Nós vai adotar temporariamente o nome “Todos Nós”, reforçando a ideia de que o combate à violência doméstica é uma responsabilidade coletiva. O grupo também aceitou regravar uma de suas músicas mais conhecidas, Camila, com uma nova letra, que cita nomes de mulheres vítimas de agressões, simbolizando as milhares que sofrem diariamente no Brasil.

Violência contra a mulher atinge toda a sociedade
Ao Brasil de Fato RS, Thedy Corrêa ressaltou a urgência do engajamento. “Os números subiram em uma escala impressionante, não só os feminicídios, mas também as ameaças e as tentativas. E a gente tem agora de volta uma ferramenta muito importante, porque lutamos bastante tempo pela reativação do comitê.”
Ele ressaltou a necessidade de investimento, recursos e participação ativa de todos os envolvidos. “Precisamos de pessoas empenhadas, e o comitê reúne um grupo bastante grande de pessoas dispostas a dedicar tempo e energia para essa causa.”
Por fim, Corrêa enfatizou que a violência contra a mulher é uma violência contra a raiz da família. “Todos nós somos filhos de alguém. A origem de tudo está no amor pelas nossas mães. Quando isso é negado, quando tantos filhos perdem suas mães, a gente vê que não é apenas uma questão das mulheres. As mulheres são a origem da nossa sociedade. Se não tivermos consciência disso, estaremos em um caminho de autodestruição”, concluiu.