A manifestação de setores da esquerda na Praça da República, no centro de São Paulo, neste domingo, 7 de setembro, foi majoritariamente contra a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado no Brasil. Organizadores calculam que 30 mil pessoas compareceram ao ato.
Entre aqueles que podem ser beneficiados caso o projeto da anistia seja aprovado pelos parlamentares está Jair Bolsonaro (PL), que pode ser condenado até cerca de 40 anos de prisão. A expectativa é que o julgamento que iniciou no dia 2 de setembro seja finalizado no próximo dia 12. Até o momento, as defesas dos acusados e a Procuradoria-Geral da República (PGR) já fizeram as suas sustentações orais, e o ministro Alexandre de Moraes já leu o seu relatório a favor da condenação. Agora, os ministros votarão a favor ou contra o documento.
O ministro Luiz Marinho, do Emprego e do Trabalho, condenou os protestos por anistia que são realizados na tarde deste domingo (7) pelo país, inclusive na capital paulista. “Alguém pedir anistia antes mesmo de ser condenado é praticamente uma confissão. A Constituição é clara: crimes contra a pátria não admitem anistia nem indulto. Se [o Congresso] aprovar algo inconstitucional, será vetado e o Supremo haverá de analisar”, afirmou.
Marinho criticou, inclusive, os ataques do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil e em defesa do ex-presidente, que incluem até o momento tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros e a sanção do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei Magnitsky.
“Apesar das pressões internacionais, inclusive dos Estados Unidos, o Brasil continuará crescendo, gerando empregos de qualidade, distribuindo renda e fortalecendo suas instituições. Esse é o papel do Estado”, disse.
O ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, ressaltou que o Brasil vinha sendo parceiro histórico dos Estados Unidos, mas que, “de maneira abrupta e injustificada”, o governo estadunidense decidiu aumentar tarifas sobre produtos brasileiros em defesa de interesses políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo Teixeira, a medida atinge não apenas a economia brasileira, mas também prejudica trabalhadores e consumidores dos Estados Unidos. Seguindo o tom da manifestação, o ministro ainda afirmou que o ato reafirma a soberania nacional e apoia o papel do Judiciário brasileiro.
“O Brasil não aceitará ameaças dessa natureza. Nesta semana, o Judiciário deve condenar aqueles que tentaram o golpe, e os Estados Unidos precisam compreender que somos um país livre e soberano, com um presidente que defende a nação”, afirmou.
Tarcísio de Freitas foi alvo de parlamentares
Parlamentares da esquerda também marcaram presença no ato. O deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) chamou de “lamentável” a articulação do governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) para angariar votos para o projeto de lei que concede a anistia, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do PL na Câmara.
“Vejam o papel lamentável de Tarcísio de Freitas, que corre a Brasília para puxar o saco de Bolsonaro na esperança de ser ungido candidato à Presidência. O Brasil inteiro está vendo. Ele pode até querer, no ano que vem, posar de moderado, mas não cola: todos sabem o papel vergonhoso e golpista que ele cumpre”, disse o deputado ao chegar para o ato na República.
“Eles até podem supor que, com o apoio de deputados do PP e do União Brasil, construam maioria na Câmara. Mas no Senado não passa. Não passa porque não há clima na sociedade. Essa turma tentou dar um golpe de Estado e fracassou. Antes, subiam em caminhões de som e posavam de valentões. Agora, imploram por anistia”, prosseguiu.
Segundo Boulos, a população brasileira não dará respaldo para a proposta de anistia, mas para outras medidas como a ampliação da isenção do imposto de renda para a maioria dos brasileiros, a taxação dos super-ricos e a revisão da jornada exaustiva de trabalho na escala 6×1. “Anistia? Anistia é pauta de golpista incompetente, que não teve nem competência para dar golpe. A expectativa é clara: Bolsonaro condenado, preso, e o povo comemorando com festa na rua e churrasco na sexta-feira”, concluiu Boulos.
O deputado federal Kiko Celeguim, presidente do PT paulista, também criticou a postura de Tarcísio de Freitas. “Como pode o governador do maior estado do país parar de trabalhar no meio do dia para ir a Brasília defender uma pauta que confronta a Constituição e as leis brasileiras?”, disse.
Na avaliação do parlamentar, em meio à manifestação de setores da esquerda, o clima no Congresso Nacional é reflexo direto do que a sociedade expressa nas ruas. “Prisão para os golpistas, anistia nunca”, resumiu.
A deputada estadual Ediane Maria (Psol) falou que o governador “tenta se colocar como herdeiro político de Bolsonaro, mas não engana ninguém. Poderia estar cuidando do estado de São Paulo, mas preferiu ir a Brasília fazer cena. Em vez de governar, tenta se projetar como candidato à sucessão de Bolsonaro”.
“Na verdade, tudo isso tem cara de jogada de marketing. O próprio Tarcísio sempre evitou se expor de forma clara [apoio a Bolsonaro]. Mesmo nas manifestações puxadas por Malafaia, ele ficou em cima do muro. Agora, segue a cartilha de seu marqueteiro, que o orienta a aproveitar o momento para aparecer. É um gesto artificial, não uma posição autêntica”, disse.
Até o momento, Tarcísio não é um nome unânime como o herdeiro do capital político de Bolsonaro para a eleição presidencial de 2026. O governador tem apoio de caciques de partidos importantes, como Gilberto Kassab, que comanda o PSD, Marcos Pereira, do Republicanos, e Valdemar Costa Neto, do PL de Bolsonaro. No entanto, é persona non grata entre Eduardo e Carlos Bolsonaro, filhos do ex-presidente.
Movimentos populares falam em soberania
Os movimentos populares também marcaram presença na Praça da República. O integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, avaliou que a manifestação da esquerda representa a retomada do processo de mobilização popular no país.
“O fundamental é voltarmos às ruas com bandeiras que são decisivas: a defesa da soberania, a taxação dos super-ricos, a justiça tributária, a redução da jornada de trabalho 6×1 e, obviamente, o repúdio à anistia”, afirmou.
Mauro destacou que, na história do Brasil, processos de anistia abriram espaço para retrocessos e novas tentativas de golpe. “Por isso é essencial reafirmar que não há espaço para anistia desta vez”, disse. Na visão do dirigente, os próximos anos serão de grandes enfrentamentos: “2025, 2026 e 2027 exigirão reorganização da militância e estratégia de mobilização popular.”
Para o líder do MST, a manifestação é ainda recado direto a Trump e setores que tentam influenciar a política brasileira. “Na nossa avaliação, o cenário internacional também pesa. Os Estados Unidos enfrentam uma crise econômica grave, estão em disputa geopolítica e vêm perdendo terreno para o bloco formado por China, Rússia e Índia”, disse.
“Nesse contexto, tentam empurrar ao Brasil um governo subserviente aos seus interesses. Portanto, não será um período de tranquilidade, mas de enfrentamentos”, disse. “Esse ato é também um recado a Donald Trump e a setores que tentam influenciar diretamente a política brasileira.”
Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores da manifestação, destacou a importância do ato diante da convocação de atos bolsonaristas na Avenida Paulista.
“Fundamentalmente, estamos retomando a ofensiva da mobilização e da resistência nas ruas. Hoje, eles estão na defensiva e nós na ofensiva, na luta de classes pela taxação dos super-ricos, pela isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, pela redução da jornada de trabalho. Essa é a luta que cresce a partir da indignação contra os privilégios e contra uma maioria do Congresso que é antipovo e antidemocrática”, afirmou.
Bonfim também criticou a família Bolsonaro e a articulação com os Estados Unidos. “Não aceitamos ingerência estrangeira. Não queremos voltar a ser colônia. Eles defendem a ditadura, defendem a submissão, e nós defendemos democracia e soberania. A máscara do Tarcísio de Freitas também caiu”, disse.
Raimundo ressaltou ainda que espera uma condenação judicial contra o ex-presidente. “Bolsonaro, deixa de ser canalha, deixa de ser covarde, vai cumprir a pena pelos crimes que cometeu. Não apenas contra o Estado Democrático de Direito, mas também contra a vida. O que ele fez durante a pandemia precisa ser pago”, declarou.