A Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz), localizada na Bahia, lançou a campanha Multiversidade dos Povos da Terra de Mãe Preta. O objetivo é arrecadar recursos para a compra de um imóvel em Salvador, que funcionará como espaço de acolhimento e organização para juventudes quilombolas, indígenas, periféricas e LGBTQIAPN+.
A iniciativa parte do coletivo Chopana Odomodê Odjango Filhas de Mãe Preta, formado por jovens mulheres quilombolas que se deslocaram de seus territórios para estudar, trabalhar e fortalecer a memória de suas comunidades. A proposta é estruturar na capital baiana um ponto de encontro e proteção, articulado com práticas culturais, espirituais, educativas e políticas.
Contexto de violência e resistência
O projeto surge diante de uma realidade marcada pela violência estrutural contra populações negras e tradicionais. Segundo o Atlas da Violência 2023 (IPEA/FBSP), 77% das vítimas de homicídio no Brasil são negras. Jovens negros têm quase três vezes mais chances de serem assassinados em comparação a jovens brancos. Mulheres negras, quilombolas e afro-indígenas representam 61% das vítimas de feminicídio.
Em Salvador, a cidade com maior população negra fora da África, a juventude enfrenta altos índices de desemprego, violência policial e desigualdade racial. Além disso, comunidades quilombolas e indígenas sofrem ameaças constantes de projetos de mineração, agronegócio, especulação imobiliária e obras de infraestrutura, muitas vezes implementadas sem consulta prévia, o que gera expulsões e desestrutura modos de vida tradicionais.
Diante desse cenário, a casa em Salvador é apresentada como estratégia de resistência coletiva, aliando juventude e ancestralidade na construção de alternativas para a sobrevivência, a proteção e a continuidade das lutas.
Multiversidade como projeto coletivo
A campanha integra a proposta mais ampla da Multiversidade dos Povos da Terra de Mãe Preta, que, ao longo de sete anos, já mobilizou mais de cinco mil pessoas em 18 estados do país, envolvendo quilombos, aldeias e retomadas indígenas. O projeto organiza encontros, vivências e processos formativos com mulheres, jovens, crianças e lideranças comunitárias.
De acordo com Bawoy, integrante da CoMPaz, a campanha tem como meta criar uma sede em Salvador para ampliar atividades culturais, políticas e comunitárias. Entre as ações previstas estão a realização de saraus, o primeiro Festival da Multiversidade, o Encontro dos Tambores da América Latina e a mobilização pela preservação da Lagoa do Abaeté, ameaçada pela especulação imobiliária.
Atividades previstas no espaço
O imóvel em Salvador deve abrigar diferentes iniciativas de fortalecimento comunitário, entre elas:
- Formação política e educacional: reforço escolar, letramento de gênero e raça, além da formação de novas lideranças;
- Práticas de cuidado: terapias integrativas como musicoterapia, reflexologia e auriculoterapia, voltadas ao bem-estar físico e espiritual;
- Produção sustentável: horta comunitária e oficinas de geração de renda, como saboaria e fitoterápicos;
- Acolhimento solidário: hospedagem para pessoas indígenas, quilombolas, periféricas e LGBTQIAPN+ em passagem por Salvador;
- Atividades culturais: saraus, rodas de conversa e encontros com foco na identidade, na luta contra o racismo e na valorização de saberes ancestrais.
Convocação à solidariedade
A campanha segue aberta até setembro de 2025 e aceita doações por diferentes meios. Além da arrecadação financeira, a proposta convida apoiadores a se engajarem na divulgação e no fortalecimento do projeto.
Segundo a liderança espiritual Ìyálasè Yashodhan Abya Yala, a iniciativa também busca formar pessoas para a defesa da Lagoa do Abaeté, patrimônio cultural e natural em risco.
“Auxilie a implantar o sonho da Multiversidade, onde preparamos e prepararemos pessoas para defender a Lagoa do Abaeté e atender ao chamado das águas”, afirmou.
As contribuições podem ser feitas via Pix, pela chave [email protected], ou por meio da plataforma Benfeitoria.