O Rio Grande do Sul enfrenta um cenário alarmante de violência de gênero, com aumento nos casos de feminicídio, incluindo dez mortes registradas no feriado de Páscoa. Diante dessa crise, e após uma década de pressão social, o governo estadual anunciou a reinstalação da Secretaria de Políticas para as Mulheres. É nesse contexto que a 6ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres Miguelina Vecchio, marcada para 12 a 14 de setembro, surge como espaço crucial para atualização do plano estadual de políticas públicas. O encontro faz parte da etapa preparatória da 5ª Conferência Nacional de Mulheres, a ser realizada em Brasília, nos dias 29 e 30 de setembro e 1º de outubro.
A organização, no entanto, enfrenta desafios. Fabiane Dutra, presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), explica que a maioria dos municípios gaúchos não promovia processos de participação social há cerca de 10 anos. “A última conferência nacional foi em 2016 e a estadual em 2015. Poucos municípios realizaram conferências municipais, ao todo 54 apenas, dos 497 municípios do estado e isso é reflexo da pouca importância dada pelo governo estadual que atrasou a convocação, não prestou o auxílio necessário ao trabalho da comissão organizadora e dificultou a construção da participação da sociedade civil. O próprio regimento interno só foi publicado após o prazo de realização das conferências municipais e livres”, afirmou Dutra.
Conferências como espaços de construção coletiva
Para a presidenta da Associação das Promotoras Legais Populares, Fabiane Lara, as conferências são espaços estratégicos para formulação de políticas públicas. “Elas não são apenas eventos formais; são espaços onde vozes diversas se encontram para debater, propor e decidir caminhos para políticas que afetam diretamente a vida de nós mulheres. No contexto que o estado atravessa, com crises sociais, econômicas e ambientais se entrelaçando, essas conferências se tornam ainda mais urgentes.”
Ela acrescenta que os encontros transformam “a dor em luta e as esperanças em propostas concretas”, trazendo à tona demandas de territórios e grupos frequentemente marginalizados.
Nesse cenário, as conferências livres ganharam força, somando mais de 150 eventos em todo o estado. Elas têm possibilitado o debate de temas como soberania alimentar, transição energética e justiça climática, mesmo em municípios sem conferências oficiais.

Urgência de políticas intersetoriais
Fabiane Dutra ressalta que a conferência ocorre em paralelo à eleição das entidades que integrarão o novo Conselho Estadual. “Passamos quatro anos sem Conselho e vimos os efeitos disso para a vida das mulheres gaúchas. Nosso objetivo é reunir pelo menos 500 mulheres para discutir um novo plano estadual de políticas, com diretrizes claras para a Secretaria agora recriada. Também homenagearemos a ativista Miguelina Vecchio, que presidiu a Ação da Mulher Trabalhista e foi vice-presidente nacional do PDT.”
Dutra sublinha a necessidade de políticas públicas intersetoriais para enfrentar a violência de gênero. “O estado enfrenta uma crise de feminicídios brutais, muitos envolvendo violências vicárias. Este plano precisa chegar aos territórios, às mulheres mais vulnerabilizadas, às chefes de família, mães atípicas e desempregadas. Educação, saúde, trabalho e renda são essenciais, mas tudo depende de recursos e de interseccionalidade na atuação governamental.”
Um exemplo da retomada é Canoas, que voltou a realizar sua conferência municipal após dez anos. Para Fabiane Lara, isso representou a recuperação da voz das mulheres locais. “Retomar agora significa reconstruir pontes com a sociedade civil e reafirmar que democracia se faz com escuta e presença, mesmo vivendo sob forte política de direita no município.”
Na cidade, as enchentes de 2024 evidenciaram problemas como violência, desigualdade econômica e ausência de políticas de cuidado. Segundo Lara, as mulheres transformaram denúncias em propostas que agora chegam à etapa estadual.
Porto Alegre e a centralidade da participação
Renata Gabert de Souza, presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) de Porto Alegre, reforça que organismos sociais são fundamentais para levantar os problemas reais da sociedade. “O Brasil ficou mais de 10 anos sem realizar conferências, o que significa uma perda social muito grande. Mudou o mundo do trabalho, o transporte, a segurança. O levantamento feito nas conferências serve para embasar políticas públicas conforme as necessidades apresentadas pelas comunidades.”
Souza observa que Porto Alegre registra número menor de feminicídios em relação à média do estado, mas alerta para o aumento da violência. “Se não aumentam em número, os eventos estão mais violentos. Precisamos identificar o porquê desse crescimento, inclusive com investigações sobre grupos que fomentam violência contra a mulher nas redes sociais.”
Na etapa municipal, seis eixos foram debatidos, com destaque para trabalho e renda, demanda comum em todos os bairros. Também surgiram pautas sobre saúde, transporte, creches, segurança e envelhecimento feminino.
Vozes do Interior
Diná Lessa Bandeira, defensora de direitos humanos, avalia que as conferências são fundamentais para garantir a democracia participativa. “Depois de quase 10 anos sem debate institucionalizado, foi muito gratificante reviver o momento de escuta e diagnósticos. Para mim foi como buscar mais oxigênio para retomar, avaliar, propor e prosseguir esperançando.”
Em Pelotas, foram realizadas 30 pré-conferências em territórios diversos, como reservas indígenas, quilombos e áreas pesqueiras. Para Diná, as conferências livres romperam com grupos controladores e ampliaram a participação plural. “As mulheres seguem pedindo o de sempre: acesso à saúde, lazer, segurança, trabalho e renda, creches para poderem trabalhar e cidades que ofereçam qualidade de vida.”
O governo do estado, por meio da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), negou que tenha havido recusa na publicação do Regimento Interno da 6ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres. A pasta informou que a Lei Estadual nº 13.947/2012, que institui o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), não prevê ressarcimento para representantes da comissão organizadora que não integram o Conselho, e que o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral do Estado (PGE/RS) para análise.
Em nota, o Executivo destacou a importância da participação da sociedade civil e do trabalho voluntário das representantes municipais e estaduais. Também reconheceu que a organização da conferência foi impactada pela demora na prorrogação do mandato da atual gestão do CEDM, o que levou à solicitação de alteração da data do evento ao Ministério das Mulheres.
Inicialmente prevista para agosto, a 6ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres será realizada de 12 a 14 de setembro de 2025. Segundo o governo, todos os documentos foram encaminhados dentro dos prazos e a realização não está comprometida.
Programação:
Dia 12 de setembro (sexta-feira)
18h às 18h30 – Início do Credenciamento
19h – Apresentação Cultural SLAM Feminista com Agnes Mariá
19h30 – Ato político de abertura
20h30- Mulheragem para Miguelina Vecchio
21h – Encerramento das atividades do dia
21h30 Encerramento do credenciamento do dia
Dia 13 de setembro (sábado)
8h30 Início do Credenciamento
9h Apresentação da mesa coordenadora, comissões, leitura e aprovação do Regimento Interno
9h30 às 10h Coffee
10h Apresentação Cultural: Grupo de Dança Palestina Terra
10h30 Painel: Mais Democracia, Mais Igualdade, Mais Conquistas para Todas
Palestrantes: Liliane Cristina Martins – Especialista em Direitos Humanos pelo IDH, Mestra em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Rede de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais do Brasil – REDELesBi
Maria Sylvia Aparecida de Oliveira – Mestre em Ciências Humanas pelo programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades -Diversitas – (FFLCH/USP) – Coordenadora da Política de Promoção de Equidade de Gênero e Raça do GELEDÉS
Marina Reidel – Mestre em Educação pela UFRGS; graduada em Artes Visuais e Pós graduada em Psicopedagogia; Coordenadora LGBTQIA+ do Fundo Positivo
Lelei Teixeira – Jornalista e escritora gaúcha.
Manuela D’Ávila – Jornalista, escritora, ativista, mestra e doutoranda em políticas públicas.
Iya Sandrali Bueno – Psicóloga, conselheira nacional do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher pela Coalizão Negra por Direitos
Márcia Lópes – Ministra da Mulher e Coordenadora da V Conferência Nacional de Políticas para Mulheres do Brasil
12h00 às 14h00 – Almoço
14h Encerramento do Credenciamento
14h – Políticas Públicas para as Mulheres nos Municípios e a Agenda 2030 – buscando contemplar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável na construção das políticas para as mulheres à partir dos territórios.
15h às 18h – Debate dos Eixos nos Grupos
16h – Breve intervalo para Coffee
Eixo 1 – Autonomia Econômica e Igualdade no Mundo do Trabalho
Eixo 2 – Mecanismos para o Avanço das Mulheres e Enfrentamento às Violências contra as Mulheres
Eixo 3 – Saúde Integral das Mulheres e Direitos Sexuais e Reprodutivos
Eixo 4 – Autonomia Política e Participação nos Espaços de Poder Público
Eixo 5 – Desenvolvimento Sustentável, Mudança Climática e Direito à Terra, aos Territórios e à Moradia e Segurança Alimentar
Eixo 6 – Interseccionalidade nas Políticas para Mulheres e Igualdade entre Mulheres
Eixo 7 – Educação, Ciência e Tecnologia Não Sexistas
Jantar 18h30 às 20h
20h às 22h Confraternização com Roda de Samba
Dia 14 de setembro (domingo)
9h Apresentação do acúmulo de debates dos sete eixos
10h30 Coffee
11h Canções para Frida Kahlo: Show teatral com parte da trilha sonora do Espetáculo Frida Kahlo, à Revolução e uma cena da peça, com Juçara Gaspar.
12h às 14h Almoço
14h Votação das 3 Propostas do RS para à V Conferência Nacional
15h Eleição das Representantes do RS à V Conferência Nacional
17h Encerramento