A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira (9) uma audiência pública presidida pela deputada Erika Kokay (PT-DF) para discutir os impactos ambientais e sociais causados pelo desabamento do lixão conhecido como Aterro Ouro Verde, localizado no município de Padre Bernardo (GO), na divisa com o Distrito Federal. O desabamento ocorreu em 18 de junho e comprometeu nascentes e córregos da região.
A audiência pública reuniu lideranças da sociedade civil, técnicos ambientais, representantes de universidades e órgãos públicos, que denunciaram irregularidades na instalação do empreendimento e cobraram medidas emergenciais de reparação e prevenção de novos desastres.
“Nós [comunidade] estamos sempre sendo negligenciado. E a gente precisa de uma solução para aquilo ali urgente porque são vidas que estão sofrendo por a falta de água, ar poluído, porque lá a gente não pode fazer uma comida sossegada, porque a mosca, os ratos começaram a infestar também”, denunciou Francisca Alves, moradora do distrito de Monte Alto, região impactada com o desabamento.
Localizado dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Descoberto, o Aterro Ouro Verde é alvo de denúncias desde sua instalação. Segundo especialistas e moradores da região, o empreendimento opera sem o devido licenciamento ambiental, desrespeita normas técnicas e coloca em risco recursos hídricos e comunidades próximas.
Durante a audiência, imagens e estudos foram apresentados por Maurício Laxe, vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Paranaíba. Ele alertou para o avanço desordenado do aterro sobre a encosta de chapadas sensíveis da região. “Os taludes do aterro estão expostos, sem qualquer cobertura vegetal, o que fere gravemente a legislação ambiental. O desmoronamento foi uma tragédia anunciada”, afirmou.
Laxe destacou ainda que a área afetada é crucial para o abastecimento hídrico do Distrito Federal. “A região do lixão fica próxima ao rio Descoberto, que abastece grande parte da população do DF. As bacias de chorume estão vazando e podem estar contaminando o lençol freático”, disse.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Nader classificou o empreendimento como um exemplo de “crime ambiental corporativo”, denunciando a atuação irregular da empresa Ouro Verde Construções e Corporações Limitada, que foi multada em R$ 37,5 milhões pela Secretaria do Meio Ambiente de Goiás. “Essa irresponsabilidade leva a empreendimentos criminosos como esse do aterro, que são criminosos do ponto de vista da responsabilização para não só empresas, mas também para empresários”, alertou.
Comunidade convive com infestação de moscas e falta de água
A gerente de emergências em saúde pública da Secretaria de Saúde de Goiás, Cristina Paragó, integra o comitê de crise criado após o deslizamento. Ela explicou que o grupo atua no combate à proliferação de moscas e no monitoramento da qualidade da água. “Nós já temos um protocolo de avaliação de risco, de monitoramento e depois de um monitoramento mais prolongado do setor saúde”, informou.
Representante da Associação Amigos das Veredas Flávio do Carmo, conhecido popularmente por Flavão Cerratense, criticou a falta de transparência na gestão da crise ambiental. “Nos negaram acesso ao local do desastre. A sociedade civil foi desrespeitada. O comitê de crise não age com clareza, e os moradores continuam expostos a riscos de saúde gravíssimos, como o contato com chorume e infestação de moscas”, denunciou.

Ele também apontou falhas estruturais no controle dos resíduos. “Estão empilhando lixo velho em cima de lixo novo. A bomba instalada para conter o chorume não dá conta. Não há estudo que comprove a segurança dessa bacia de contenção. O risco de um novo colapso é real”.
Lúcia Mendes, integrante do Fórum de Defesa das Águas, do Clima e Meio Ambiente, destacou o impacto direto na vida das comunidades locais. “Tem gente sem água, vivendo em meio a moscas e doenças. O que aconteceu em Padre Bernardo precisa ser tratado como prioridade nacional. Não podemos continuar naturalizando tragédias como essa”, declarou.
Mendes lembrou ainda que a situação do lixão Ouro Verde guarda paralelos com outras tragédias ambientais recentes. “Assim como Mariana e Brumadinho, este desastre também tem responsáveis e deve gerar consequências. Estamos aqui para cobrar que vidas sejam preservadas e que o meio ambiente seja respeitado.”
O Brasil de Fato DF procurou a empresa Ouro Verde, responsável pelo aterro, para saber quais as ações têm sido implementadas para diminuir os impactos do desabamento do lixão na comunidade. Até a publicação não houve retorno, o espaço está aberto.
Comissão deve realizar visita técnica
A deputada Erika Kokay (PT-DF), que solicitou e presidiu a audiência pública, destacou a gravidade da situação e defendeu a responsabilização dos envolvidos.
Como encaminhamento, a Comissão de Legislação Participativa irá apresentar requerimentos para que o caso seja investigado pela Polícia Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de solicitar que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Meio Ambiente de Goiás apresentem um diagnóstico técnico e um plano de recuperação da área atingida. Também foi proposta a realização de uma visita técnica ao aterro pelas comissões da Câmara e o pedido à Agência Nacional de Águas (ANA) para criação do comitê da bacia do rio do Sal.
Entre as medidas defendidas durante a audiência estão: a remoção emergencial dos resíduos acumulados, a reparação das áreas degradadas, o monitoramento da qualidade da água nas comunidades do entorno, a responsabilização criminal e civil da empresa, além da criação de consórcios públicos para gestão regionalizada de resíduos sólidos.
Para o representante da Superintendência de Fiscalização e Controle Ambiental de Goiás, Marcelo Martines Sales, o acidente mostra a fragilidade da gestão de resíduos. “A política nacional de resíduos sólidos tenta mudar a cultura dos lixões, que não têm impermeabilização nem controle de chorume e gases. Essa ainda é a realidade de muitos municípios”, afirmou.
Já o professor Ricardo Nader reforçou a necessidade de uma nova governança para a questão do lixo no Centro-Oeste. “Não se pode permitir que empresários com histórico de processos continuem operando em áreas sensíveis. O governo precisa usar os recursos federais disponíveis para construir soluções integradas e sustentáveis”, disse.
Com informações da Agência Câmara de Notícias.