Há dias em que a política fluminense nos cansa. Mas cansa, especialmente, pela hipocrisia pungente. Enquanto a direita se apresenta como a voz da segurança pública, armando discursos midiáticos de “lei e ordem” nas Casas legislativas, garantindo seus cortes para redes sociais, o próprio governo do estado dá a prova mais cristalina de que não tem compromisso com a vida. Como acreditar numa política de segurança que, ao mesmo tempo em que promete resultados, ignora a morte de inocentes? Como acreditar numa gestão que fala em critérios técnicos para justificar a promoção de oficiais marcados pelo sangue de jovens negros e pobres?
Falo do caso recente, que revolta e entristece. O governo de Cláudio Castro achou de bom tom nomear o coronel Aristheu de Góes Lopes, exonerado do comando do Bope justamente após a tragédia que vitimou o jovem Herus Guimarães Mendes, para a Superintendência da Polícia Militar. A justificativa? “Critérios técnicos e estratégias do comando”. Mas que critérios são esses que premiam quem admite que protocolos não foram seguidos em uma operação que matou um rapaz inocente? Que estratégia é essa que naturaliza a violência e transforma a dor de uma família em mera nota de pesar?
Ainda que não haja ilegalidade formal na nomeação, há uma imoralidade gritante em se ignorar a morte de Herus. E não apenas a morte dele, mas o padrão que insiste em se repetir no Rio de Janeiro: os corpos pretos e pobres tratados como descartáveis em nome de uma segurança pública que nunca chega.
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O escárnio é tão grande, meus amigos, que até mesmo a Corregedoria da PM indiciou policiais militares pela morte de Herus naquela operação desastrosa e absurda durante a festa junina no Santo Amaro. Um dos indiciados confessou ter disparado 13 vezes após sua equipe alegar ter sido atacada por criminosos. O inquérito, segundo o que foi divulgado na imprensa, sequer foi publicado no Boletim Interno da PM. Essa família segue sendo revitimizada a cada notícia que é publicada sobre o caso!
E não é exceção, é regra. A diferença é que o nome de Herus ainda ecoa de alguma maneira porque houve denúncia, acompanhamento e mobilização. Mas quantos outros não têm nem mesmo esse direito? Quantos outros seguem sendo estatística, sepultados sem um mínimo de justiça, enquanto governos e comandos policiais seguem premiando quem deveria responder por violações?

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania acompanha a família de Herus desde as primeiras horas, segue a acolhendo após a operação, e continuará cobrando justiça. Mas é necessário repetir quantas vezes for necessário: não basta investigar policiais, é preciso rever a lógica que guia a política de segurança fluminense. Porque, no fim, não são apenas operações equivocadas, feitas sem nenhuma inteligência, arriscando as vidas inclusive dos próprios agentes públicos. É um projeto político que decide quais vidas importam e quais vidas podem ser destruídas.
Enquanto essa necropolítica não mudar, continuaremos preservando a memória de Herus e de tantos outros que tiveram a vida ceifada. Eles podem tentar nos cansar, mas seguiremos firmes, lutando lado a lado de quem é diretamente afetado pelos desmandos de um governo que ignora a dignidade da população mais vulnerável do Rio.
*Dani Monteiro é deputada estadual (Psol/RJ) e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.
**Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.