Que as plataformas de aposta são uma febre letal ao orçamento familiar, ninguém tem dúvida. Mas, muito mais do que tirar o pão da mesa de várias famílias, as chamadas BETs estão aumentando ainda mais os transtornos de saúde mental e a desigualdade social, sob apoio dos ditos “influenciadores”, que mais parecem sob um projeto, irresponsável e ambicioso, de levar os mais vulneráveis ao precipício, movido pela busca de um lucro desenfreado.
Neste cenário, quase 25% dos beneficiados com o Bolsa Família utilizaram o dinheiro do programa para destinar às apostas. Um total de nada menos que R$ 3 bilhões empregados nisso. A expectativa é de que esse valor chegue a R$ 5 bilhões e muita gente tenha o benefício bloqueado, um impacto direto na vida dos mais humildes. Um verdadeiro risco de colapso social.
A estratégia de aproveitar, em suas propagandas, ídolos e personalidades que têm uma vida de luxo ou família de comercial de margarina para incentivar as apostas parecem brincar, com requinte de crueldade, com a exclusão social à qual é submetida a massa da população brasileira. Como um atalho, os pobres ficam ainda mais pobres e os ricos famosos das propagandas mais ricos, sem mencionar o lucro dos empresários por trás dos jogos de azar.
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Em meio a este cenário já desolador, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, deu novo fôlego às casas de jogos. Mesmo os cassinos sendo proibidos no Brasil desde 1946 e haver uma grande discussão sobre os malefícios da permissão das casas de jogos, o governador sancionou, este mês, um decreto que permite e regulamenta a instalação de máquinas de apostas eletrônicas em bares, casas temáticas de jogos esportivos e outros estabelecimentos comerciais. Um grave retrocesso social.
Castro alega que a iniciativa pode aumentar a arrecadação do Estado. Mas um suposto incremento de receita a troco de que? A troco de quantas vidas sacrificadas?
Neste embate, o prefeito Eduardo Paes (PSD) proibiu que a Prefeitura conceda alvará a qualquer estabelecimento que contenha máquinas de apostas, e diz ainda que vai chamar o governador para conversar sobre o assunto. Ainda bem.

Não se pode ignorar que, no Brasil, mais de 2,14 milhões de pessoas já sofram com o transtorno do jogo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E a Constituição Federal deixa claro que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O poder público, por sua vez, deve adotar políticas de prevenção e tratamento de enfermidades. Jamais o contrário, jamais fomentar ou incentivar uma atividade que afeta a saúde e a vida da população. Isso seria uma violação ao dever de proteção integral do Estado.
A medida adotada pelo governador através de decreto tem impactos ainda mais nefastos. Pode ampliar os impactos negativos não apenas na saúde mental. Mas ter outros desdobramentos sociais. Isso porque o vício em jogos está diretamente associado a quadros de depressão, suicídio, superendividamento e até práticas de furtos e fraudes dentro da própria família para sustentar a compulsão.
A iniciativa do governador não protege a população. Pelo contrário. Ignora o sofrimento de famílias inteiras já tão sacrificadas pelo vício.
Permitir a instalação de máquinas de jogos significa aumentar o contato direto de quem já tem problemas com seu vício. Com uma máquina de aposta em casa esquina, é muito mais fácil um jogador em tratamento ter uma recaída.
Assim, cresce o impacto no Sistema Único de Saúde (SUS), aumenta os casos de depressão e, consequentemente, aumenta a necessidade de tratamento e cresce também o superendividamento. Diga não aos jogos de azar!
*Leo Lupi é jornalista, pós-graduando em Política e Sociedade pela Uerj e subsecretário de Relações Institucionais na Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.