Vivi um dos momentos mais emocionantes e marcantes que a política poderia me proporcionar, na última semana. Desde que ocupamos a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, há exatos nove meses, definimos que a cultura seria um dos eixos mais importantes do nosso mandato. O motivo é muito simples: aprendi que a luta pela terra e pela soberania alimentar é também uma luta pela cultura. Nas escolas do campo a cultura está no centro da formação humana. E quando as políticas públicas não chegam é a cultura que dá respostas ao povo. Como professora de História e, hoje, vereadora, levo pra dentro da institucionalidade essa bagagem preciosa que acumulei durante a minha vivência no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No dia 10 de setembro, durante o evento “Cultura é Compromisso”, que contou com a participação de mais de 100 pessoas, tivemos a oportunidade de homenagear grandes nomes do cenário artístico carioca e nacional. Entregamos as medalhas Pedro Ernesto e Chiquinha Gonzaga aos rappers BK’ e N.I.N.A e à rainha de bateria da Portela, Bianca Monteiro. As medalhas são as duas maiores honrarias que o legislativo municipal pode conceder a alguém, em reconhecimento a pessoas e instituições que mais se destacaram na sociedade brasileira.
BK’ se tornou um dos rappers mais talentosos e famosos da atualidade, inspirando as novas gerações da periferia com suas letras impactantes e críticas sociais. Além de produtora cultural, Bianca vem se destacando à frente da bateria “Tabajara do Samba” e servindo de exemplo para centenas de meninas que um dia sonham ocupar a mesma posição na centenária agremiação dos bairros de Oswaldo Cruz e Madureira. Cria da Cidade Alta, favela situada na Zona Norte carioca, N.I.N.A vem se consagrando como uma das artistas mais relevantes da cena do grime e drill no Brasil atualmente. Agora imagina a minha emoção de subir ao palco ao lado desses artistas que inspiram a minha trajetória pessoal e o meu fazer político todos os dias? Morri, mas passo bem!
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Ouvir BK, N.I.N.A e Bianca falarem sobre suas vivências e experiências de vida me deu ainda mais certeza de estar do lado certo da luta. Todos os homenageados ressaltaram a extrema importância da cultura periférica (que também é uma cultura predominantemente preta) para a construção de identidades e perspectivas do nosso povo. BK ́ disse que a cultura Hip Hop deveria ser enxergada e utilizada como uma “aliada da educação”. Bianca e N.I.N.A disseram que ocupar espaços relevantes antes negados às mulheres negras significa “quebrar preconceitos”.

Historicamente, por usar a crítica política e social como matéria-prima, o rap e o Hip Hop são expressões da cultura popular que ainda sofrem muita marginalização por causa de um discurso conservador hegemônico totalmente falso. Como disse minha amiga e companheira de luta, a deputada estadual Marina do MST, parece que quando a cultura vem do povo, da favela e da quebrada, ela precisa ser silenciada, controlada e interditada. Mas estamos aqui justamente para promover, gradativamente, uma mudança estrutural e garantir que o futuro seja diferente. Já passou da hora de ressignificar essa imagem pejorativa e reconhecer essas manifestações culturais como legítimas e fundamentais para a identificação do nosso povo. E o evento “Cultura é Compromisso” foi o pontapé do nosso trabalho árduo para alcançar esse objetivo.
Logo após as homenagens, tive a honra de entregar moções honrosas a outros 65 fazedores de cultura que atuam em diversas áreas, como teatro, dança e música, em reconhecimento ao trabalho desenvolvido por esses profissionais. Eles são os maiores responsáveis por movimentar a cena cultural carioca e gerar renda e oportunidades para milhares de famílias. Isso não é pouca coisa. Esse trabalho coloca comida na mesa de muita gente e sustenta a cultura carioca. Por isso, nós queremos reconhecer e valorizar quem está protagonizando as diversas vertentes culturais que vêm conquistando espaço e se consagrando no país. A ideia é criar um canal de diálogo e manter uma ponte permanente com esses fazedores de cultura para que possamos ouvir as demandas do setor e, juntos, articular e avançar na construção de políticas públicas na área cultural.

A cultura popular, seja no campo ou na cidade, resiste. Em tempos de barbárie, a gente percebe que é a cultura que dá liga à memória coletiva e mantém acesa a chama da resistência. Encerro esse artigo citando uma conhecida frase de Gilberto Gil, proferida em 2003, quando era Ministro da Cultura do governo Lula: “Cultura é ordinária! Cultura é igual feijão com arroz, é necessidade básica. Tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo”.
*Maíra do MST é historiadora, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Levante da Juventude, vereadora (PT-RJ) e vice-presidente da Comissão de Cultura da Câmara do Rio.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.