Pela primeira vez, a obesidade é mais prevalente do que a desnutrição entre crianças e adolescentes em idade escolar. O alerta faz parte do relatório Alimentando o lucro: como os ambientes alimentares estão falhando com as crianças, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, a especialista em saúde e nutrição do Unicef Brasil, Stephanie Amaral, destaca os riscos da má alimentação e o papel das políticas públicas no enfrentamento do problema.
“Nós já vivemos acompanhando todas as tendências aí do aumento da obesidade ao longo dos anos, mas é histórico observar isso, que agora no mundo a obesidade é mais prevalente do que a desnutrição”, aponta. Segundo ela, até países antes marcados pela fome, como Afeganistão e Butão, registraram uma aceleração rápida do crescimento da obesidade, que triplicou nos últimos 20 anos.
O estudo do Unicef, baseado em dados de mais de 190 países, mostra que uma em cada dez crianças no mundo, ou seja, cerca de 188 milhões, vive com obesidade. Segundo a pesquisa, de 2000 a 2022, a prevalência de obesidade em crianças de 5 a 19 anos saiu de 3% para 9,4%, enquanto a desnutrição caiu de 13% para 9,2%. A tendência se repete em praticamente todas as regiões do planeta, com exceção da África Subsaariana e do sul da Ásia.
No Brasil, a obesidade já havia superado a desnutrição antes mesmo dos anos 2000. Os dados mostram que a prevalência passou de 5% em 2000 para 15% em 2022. O sobrepeso também disparou, saindo de 18% para 36% nesse período, enquanto a desnutrição aguda recuou de 4% para 3%.
Amaral explica que a má nutrição, seja por desnutrição ou obesidade, compromete o crescimento adequado, o desenvolvimento cognitivo e aumenta as chances de doenças crônicas. “A obesidade está vinculada desde a infância à criança ser mais propensa a ter hipertensão, diabetes, doenças do coração. Estamos falando de crianças que podem não estar crescendo adequadamente e que vão conviver mais tempo em sua vida com doenças crônicas”, alerta.
Ultraprocessados e fast foods
A especialista ressalta que os ultraprocessados e fast foods são os principais responsáveis pelo cenário. “Eles moldam o ambiente em que a criança vive, fazendo com que a decisão de comer esses alimentos não seja uma decisão individual. É uma questão sistêmica, do sistema alimentar como um todo e da indústria de alimentos que tem um papel enorme nisso em vista de uma publicidade agressiva que ela faz”, afirma.
Segundo o relatório, varejistas brasileiros foram “mais propensos a exibir de forma proeminente lanches doces e cereais açucarados nas entradas e ao alcance das crianças em comunidades mais pobres do que em áreas mais ricas”, reforçando a exposição de quem já vive em situação de vulnerabilidade.
Medidas de regulação
Apesar do quadro preocupante, o relatório destaca que o Brasil está entre os países que já adotaram algumas das medidas mais abrangentes do mundo para regular o marketing e a disponibilidade de ultraprocessados, em especial no ambiente escolar. O Unicef defende que essas iniciativas sejam fortalecidas.
“Nós acreditamos que a escola é um lugar em que a criança e o adolescente passam a maior parte do seu dia, então ali eles têm que ser protegidos. Também que a escola seja livre de publicidade, de qualquer patrocínio de indústria de alimentos, e que haja ações educativas para que essas crianças aprendam e se conscientizem sobre o que elas comem”, recomenda Amaral.
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