Setembro é tempo de festa no Rio Grande do Sul. Atividades em todo o estado exaltam a cultura e os costumes, com o ápice no feriado de 20 de setembro, o Dia do Gaúcho. A data marca o início da Guerra dos Farrapos, revolta republicana local contra o Império brasileiro entre 1835 e 1845.
A relevância do episódio é destacada pelo historiador Giovanni Mesquita. “A Revolução Farroupilha, que foi um evento histórico muito importante, muito épico, cheio de situações e que marcou profundamente a história do povo gaúcho, acabou se tornando este momento em que o Rio Grande do Sul se encontra, se reúne com a sua cultura, com a sua história e as várias versões da sua história, as várias versões da sua cultura.”
Em Porto Alegre, todos os anos, o Acampamento Farroupilha reúne milhões de pessoas em torno das tradições gaúchas. Além de shows e feiras de artesanato e da agricultura familiar, o evento, que iniciou em 1º de setembro e encerra neste domingo (21), conta com 236 espaços chamados de piquetes.
Os piquetes são galpões organizados por diferentes grupos e entidades que se reúnem em torno do churrasco, da música e de outras expressões culturais. “Em cada piquete tem que ter uma parte de cultura, em que se estuda, em que se dá curso, palestra etc., que estuda tanto a cultura gaúcha como a história do Rio Grande do Sul”, explica Mesquita.
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Piquete Pêlo Escuro
Entre a diversidade de piquetes, chama a atenção o Pêlo Escuro, que busca resgatar a história do povo negro na construção do Rio Grande do Sul, aspecto que por muitos anos foi desvalorizado pelo tradicionalismo gaúcho. A exemplo está a história dos Lanceiros Negros, escravizados que foram enganados pela promessa de liberdade durante a Revolução Farroupilha e foram massacrados na Traição de Porongos, orquestrada pelos líderes farroupilhas e o Império.
A patroa do piquete, a jornalista e professora universitária Sátira Machado, conta que o espaço tem origem na luta contra o racismo. “O Piquete Pêlo Escuro, que é um departamento do Instituto Oliveira Silveira, nasce no contexto dos 50 anos do 20 de novembro, que foi em 2021. A partir daí, muitas dimensões começaram a resgatar a história dos negros e negras nas culturas gaúchas.”
Ela reforça a importância de olhar de forma crítica para o conservadorismo cultural, mas sem negar a cultura. Com festa e atividades culturais, como o lançamento do livro sobre Manoel Padeiro, quilombola conhecido como o Zumbi dos Pampas, o piquete reforça a presença negra na história e também na atualidade do estado.
Machado conta que o espaço busca fazer o movimento negro gaúcho se sentir em casa. “Voltando ao Acampamento Farroupilha para que a gente consiga entender que esse espaço também é afro, também é gaúcho, que é algo que o grupo Palmares, Oliveira Silveira, as mulheres do grupo Palmares sempre trouxeram nas suas narrativas, dessa importância de achar que esta terra também é nossa querência sim! Estamos aqui, fazemos sim parte dessa história linda do Rio Grande do Sul.”
Piquete do Sindicato dos Bancários
Outro piquete com viés progressista é o dos Bancários. O espaço do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) é lugar de confraternização de trabalhadores e suas famílias.
“O bancário participa muito”, conta o diretor sindical Edson Rocha, patrão do piquete. “Ele sai da agência, vem aqui, faz a reunião da agência, alguns trazem seus familiares. Deixamos toda a infraestrutura pronta: temos carvão, espeto, bebidas, pratos. Ele só traz a carne, o principal. E confraternizamos aí. As noites são sempre bem lotadas, e bem agradáveis.”
A luta sindical está nas paredes do Piquete dos Bancários. Segundo Rocha, o local também é espaço de reflexão sobre a realidade dos trabalhadores. “[É um lugar de] confraternizar, resgatar a história do nosso Rio Grande e, diante disso, também temos as excursões da nossa campanha salarial. A gente consegue fazer um debate sobre o que está acontecendo: fechamento de agência, demissões, cobrança de metas.”
Outras lutas sociais estão presentes nas conversas e nas paredes do piquete. “Temos a questão do plebiscito popular, com uma urna aqui no sindicato disponível para o bancário votar”, exemplifica.
“Uma tradição histórica muito importante”
A celebração da Revolução Farroupilha, que foi capitaneada pela elite agrária do estado, gera na sociedade gaúcha debates acalorados sobre conservadorismo e identidade regional. Para Giovanni Mesquita, as contradições não devem ser motivo para desconsiderar a relevância da festa.
“Porque nós estamos aqui mantendo, bem ou mal, uma cultura que é nativa, que é da população local, que é do povo brasileiro e que representa a diversidade, a riqueza da diversidade do povo brasileiro”, defende.
Mesquita avalia que é preciso que o campo progressista se aproxime dessa celebração. “Eu e outros historiadores que somos de esquerda estamos tentando retomar para o campo da esquerda a tradição histórica do Rio Grande do Sul, porque nós temos uma tradição muito importante, muito significativa, muito interessante.”
Para ele, atuar em espaços como o Acampamento Farroupilha é uma chance de ampliar o diálogo com outros setores da sociedade. “É a gente tentar atrair essas pessoas que estão aqui para o campo da esquerda, para o campo progressista.”