A democracia estadunidense enfrenta um processo de esfacelamento, marcado por ataques à liberdade de expressão e medidas autoritárias do governo do presidente Donald Trump. A avaliação é de Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Trump tem feito ataques à mídia estadunidense, processando jornais, vetando ou ameaçando concessões a emissoras críticas e suspendendo programas, como o do apresentador Jimmy Kimmel, após comentários desfavoráveis ao governo. “Esse controle aos aparatos midiáticos pode ser pensado como um contraponto ao direito ao discurso, ao livre pronunciamento, e agora está sendo usado justamente como um movimento deliberado de contraponto a possíveis adversários políticos”, avalia Forner.
Para a professora, o país que se projeta como “a maior democracia do mundo” convive, historicamente, com fortes contradições. “A história dos Estados Unidos é permeada por movimentos racistas, xenofóbicos, de exclusão… é um discurso, uma narrativa que foi muito importante para a construção dessa hegemonia, mas que não vem descolada dessas tensões e dessas contradições”, pontua.
Ela também critica o sistema eleitoral indireto estadunidense. “É o terror de todo mundo que estuda Estados Unidos ter que explicar o colégio eleitoral para uma audiência brasileira porque, para nós, não faz o menor sentido”, brinca.
Sanções contra o Brasil
Forner avalia ainda as recentes sanções do governo Trump contra o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e sua família, em retaliação contra o programa Mais Médicos. Para ela, a medida, somada ao tarifaço, a punições a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaças de representantes do governo, “causa um aprofundamento das tensões que já vêm contribuindo para o esgarçamento diplomático de uma relação que é importante estruturalmente tanto para o Brasil quanto para os Estados Unidos”.
Segundo a professora, trata-se de uma “interferência em questões de um país soberano, politicamente autônomo, que é o Brasil”, sem legitimidade no direito internacional. Ela alerta que a estratégia do governo é criar uma “aparência de crise” para justificar medidas autoritárias, como o uso da Guarda Nacional.
Cenário internacional
A professora projeta que a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), prevista para a próxima semana, deve expor atritos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Trump. “O Brasil certamente deve seguir por uma linha de reafirmar a sua perspectiva enquanto país soberano, que rejeita quaisquer formas de intervenção externa, e isso pode provocar fricções a partir do discurso de Trump”, aponta.
Forner destaca também o crescimento da influência chinesa em contraste com o isolamento dos EUA. “O governo Xi Jinping tem colocado a China nesse protagonismo, não só do ponto de vista material, mas também nesse esforço de costurar alianças. Há esse aumento de protagonismo, que converge com o desengajamento estadunidense dessas instâncias institucionais, sobretudo com Trump”, analisa.
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