Um projeto inovador, intitulado Patrimônio Vivo: As histórias e memórias de mestres da cultura popular do Rio Grande do Sul, lança um livro inédito que documenta as trajetórias de oito mestres e mestras da cultura popular afro-gaúcha. A iniciativa visa preservar as tradições orais, transmitir legados e celebrar a rica diversidade cultural e linguística do estado. O livro será distribuído em escolas públicas e também poderá ser acessado online na página oficial.
O projeto propõe uma “travessia decolonial de aprendizagem”, registrando as vivências de guardiões e guardiãs de diversas cidades do Rio Grande do Sul. Entre os homenageados estão: Mestra Bia da Ilha, Mestra Elaine, Mestre Cláudio e Mestra Iara Deodoro, de Porto Alegre. Mestra Sirley Amaro, Mestre Giba Giba e Mestre Chico, de Pelotas. Mestre Vô Teobaldo, do Vale do Taquari.
As histórias detalham trajetórias de dedicação à cultura popular e resistência contra apagamentos causados por preconceito racial e intolerância religiosa. Os textos e fotografias destacam momentos cruciais de suas vidas e suas contribuições para a cultura do estado. Como forma de reconhecimento financeiro de seus saberes e percursos, os mestres homenageados, ou seus familiares, receberam prêmios de R$ 1,2 mil.

A publicação explora as contribuições únicas de cada mestre:
Em Alinhavo de afeto, Mestra Sirley Amaro preserva a cultura popular negra em Pelotas através de costura e contação de histórias.
Um navegar permanente aborda as vivências da Mestra Bia da Ilha na Ilha da Pintada.
Mestre Giba Giba, guardião e entusiasta do Sopapo (tambor típico afro-gaúcho), tem sua história narrada em O homem e o sopapo.
Manancial de saberes ressalta a trajetória do Mestre Chico, uma referência na pesquisa das culturas africanas, por meio de Histórias educativas de resistência.
Benzer da memória explora como o Mestre Vô Teobaldo transmite conhecimentos ancestrais através das gerações.
Mestra Elaine presentifica a cultura afro-brasileira nas ruas de Porto Alegre em O passo coletivo.
Voo de Baluarte destaca a história do Carnaval porto-alegrense inscrita no corpo do Mestre Cláudio.
O sotaque corporal da Mestra Iara Deodoro na dança e sua contribuição única ecoam em Sotaque encantado.
A dimensão coletiva e educacional do projeto

A coordenadora do projeto e diretora de operações do Nonada, Thaís Seganfredo, enfatiza que o projeto destaca “existências que nunca são individuais, sempre são coletivas”, o que se alinha ao processo de salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, alicerçado no senso de coletividade.
A coordenadora editorial, Anna Ortega, explica que a escolha dos mestres inclui tanto os que estão vivos quanto os que já faleceram, refletindo a compreensão afro-brasileira de que “o tempo não é linear” e o legado dos que partiram fisicamente “segue vivo em todas as sementes que plantaram”. Para essa perspectiva, “estar vivo nas culturas afro-brasileiras é muito mais do que um estado físico. Vivo é tudo que ainda ecoa e produz som. É tudo que nos move”.
Além de valorizar os legados, o projeto tem um forte componente educacional, levando essas histórias para dentro das escolas. Exemplares do livro serão doados a instituições da rede pública de ensino. Também haverá visitas a essas escolas de três mestres e mestras para ministrar oficinas sobre saberes ancestrais, destinadas a estudantes do final do ensino fundamental e ensino médio. Por exemplo, Mestra Bia da Ilha compartilhará seus conhecimentos sobre a Ilha da Pintada, incluindo a confecção de bonecas abayomi, tipicamente negras e feitas de retalhos.

Segundo as organizadoras, o objetivo é alcançar as novas gerações e manter vivos os ensinamentos pelos quais os mestres tanto lutaram. Como disse Mestre Chico: “Quando se planta uma árvore, a gente não sabe quanto tempo ela vai levar para crescer e dar frutos, mas você mesmo assim tem que plantar. Você não pode plantar pensando que você mesmo quer se alimentar dela. Se eu não estiver aqui amanhã para provar seus frutos, outras pessoas estarão”.
O projeto Patrimônio Vivo: As histórias e memórias de mestres da cultura popular do Rio Grande do Sul é coordenado pela Associação Cultural Nonada Jornalismo. Ele é realizado com incentivo da Política Nacional Aldir Blanc, via Ministério da Cultura, e conta com o financiamento do Pró-Cultura RS e da Secretaria Estadual de Cultura do RS.