O Ministério da Justiça determinou à Polícia Federal (PF) a abertura de um inquérito para investigar a procedência do metanol encontrado em bebidas alcoólicas no estado de São Paulo e a possível rede de distribuição da substância aos estabelecimentos comerciais.
A medida foi anunciada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski na manhã desta terça-feira (30). “Na segunda-feira, considerando esta ocorrência, que do nosso ponto de vista é grave e tem reflexos inclusive na saúde pública, nós determinamos ao doutor Andrei Rodrigues, nosso diretor-geral da Polícia Federal, que abrisse um inquérito para verificar a procedência dessa droga e a rede possível de distribuição. Ao que tudo indica, transcende os limites de um único estado”, disse o chefe da pasta.
“No momento as ocorrências estão concentradas no estado de São Paulo, mas tudo indica que há uma distribuição para além do estado de São Paulo e, portanto, sendo uma ocorrência que transcende limites de um estado. Isto atrai a competência da Polícia Federal”, acrescentou. Lewandowski destacou que a adulteração e a distribuição de produtos adulterados constituem crimes previstos no Código Penal e no Código do Consumidor.
“Estamos diante de uma situação anormal, sem precedentes recentes na série histórica do Brasil. Com a colaboração entre os sistemas de saúde e justiça, além da vigilância ativa e do engajamento da sociedade, poderemos responder de forma rápida e eficaz a essa ameaça”, concluiu.
No último domingo (28), a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) divulgou uma nota na qual afirma suspeitar da participação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na adulteração das bebidas.
A organização avalia que o fechamento de distribuidoras e formuladoras de combustível ligadas ao crime organizado, nas últimas semanas, pode estar relacionado à recente onda de intoxicações por metanol.
Essas empresas, segundo investigações do Gaeco e do Ministério Público de São Paulo, importavam o produto de forma fraudulenta para adulterar combustíveis. A suspeita é de que, diante da repressão, o metanol tenha sido desviado para bebidas destiladas consumidas em bares e casas noturnas, provocando casos de envenenamento.
“Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”, diz a nota da associação.
Casos de intoxicação e óbitos
De acordo com o Ministério da Saúde, entre agosto e setembro deste ano, foram notificados 17 casos de intoxicação, sendo três óbitos, devido à ingestão de metanol. A substância é utilizada como combustível para motores e matéria-prima para a fabricação de outros produtos químicos. As ocorrências envolvem gim, uísque e vodca consumidos em bares ou comprados em adegas. No entanto, ainda não se sabe em qual etapa da produção ou distribuição ocorreu a adulteração.
A quantidade e o perfil das vítimas estão fora do padrão registrado historicamente. Nos últimos dois anos, o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) registrou intoxicações por metanol em casos de consumo intencional em contexto de abuso de substâncias. Agora, predominam os consumos acidentais, quando a vítima não percebe a adulteração da bebida.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, historicamente, o Brasil registra cerca de 20 casos por ano. “Para se ter uma ideia, apenas entre agosto e setembro deste ano já foram identificados 17 casos suspeitos em São Paulo, praticamente o total esperado para o ano inteiro e de forma concentrada em um único estado, quando o padrão costuma ser esporádico e disperso pelo país”, disse o ministro.
A pasta deve publicar ainda nesta segunda-feira (30), uma nota técnica específica sobre intoxicação por metanol, com a definição de caso suspeito, sinais e sintomas clínicos, orientações sobre notificação e condução dos casos, além de instruções para uso de antídotos disponíveis.
O metanol é altamente tóxico: a ingestão, inalação ou contato prolongado pode causar náusea, tontura, convulsões, cegueira e até morte, mesmo em pequenas doses. O Brasil conta atualmente com 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica, distribuídos em todos os estados, sendo nove apenas em São Paulo. Esses centros oferecem suporte imediato aos profissionais de saúde da atenção básica, UPAs, prontos-socorros e hospitais. Além disso, a população pode acionar o 0800 da Anvisa, disponível 24 horas por dia.