Areais da Ribanceira, comunidade localizada no município de Imbituba, litoral sul de Santa Catarina, tem uma história de lutas em defesa do seu território e das suas atividades, baseadas no cultivo e beneficiamento da mandioca, na pesca e também na coleta de um fruto típico das restingas da região: o butiá.
Jailson Diogo, agricultor, pescador e extrativista do butiá, reconhece as origens da sua comunidade. “Os Areais da Ribanceira é uma comunidade que já está aqui há mais de duzentos anos, nosso laudo antropológico fala isso. A nossa comunidade sempre fez essas atividades, agricultura e pesca. Geralmente um pescador é agricultor, agricultor é pescador. Agora o extrativismo ficou mais forte com o comércio do butiá, de fazer a polpa, e a gente está trabalhando o butiá nisso aí.”
Todas essas atividades passam pela associação comunitária, a Acordi, criada num contexto de mobilizações pela terra. Filha de agricultores pescadores dos Areais da Ribanceira, engenheira agrônoma, com mestrado na área de desenvolvimento rural sustentável, Marlene Borges é uma das responsáveis pela reorganização da comunidade. “A Associação Comunitária Rural de Imbituba foi fundada em 2002, e o objetivo principal da Acordi era trabalhar essa questão da regularização, do reconhecimento da comunidade, do direito às terras, do direito ao acesso ao território, tanto agrícola como pesqueiro.”
Foto: Bob Barbosa/Brasil de Fato
Por meio de um processo de reintegração de posse, parte das terras tradicionalmente usadas por gerações de famílias agricultoras é tirada e passada, no ano de 2010, para uma empresa que exporta fertilizantes pelo porto de Imbituba. Marlene lutou junto com a sua comunidade. “Reentramos nas terras, porque as roças estavam aqui, as áreas de cultivo, as áreas do butiá. Reentramos e por isso que ele entra com processo de reintegração de posse. É uma área de plantio e de uso comum. Era conhecido como o campo da cidade. Tanto é que se tu for falar com os mais antigos, o pessoal vai dizer: ah, é o campo! Porque era o costume de se plantar nesse espaço aqui, de se extrair o butiá, as plantas medicinais.”
Segundo o agricultor Luiz João Farias, atual presidente da Acordi, “o butiá é uma produção que aqui sempre dava uma renda pros agricultores, todo mundo cortava a palha, vendia a palha, aproveitava o butiá. E hoje está sendo uma fonte de renda pro pessoal, estão aproveitando pra fazer suco, picolé, sorvete, tem um sobrinho que faz até a cerveja do butiá.” Pelas contas de Marlene, a polpa para fazer suco é hoje é o principal produto que a comunidade beneficia a partir do fruto. “Nós vendemos o quilo da polpa concentrada a 30 reais. Se tu multiplicas isso por 500, vai dar quanto? Dá 15 mil. Quinhentos quilos é um freezer. A gente encher um freezer de polpa não é tão difícil. Isso rapidamente tu consegues fazer, com a produção que a gente tem aqui.”
“O butiá dá muito produto, dá suco, dá geleia e dá pro pessoal chupar”, sugere Nei Sabino, agricultor antigo da comunidade. Ele considera importante os mais jovens da comunidade manterem a tradição. “Tem que ter gente aqui pra trabalhar, pra cultivar a agricultura e a colheita do butiá, porque a colheita do butiá é de janeiro, fevereiro e março, só três meses, depois ele se acaba.” E o modo de colher, Jailson ensina. “Quando o butiá está maduro ele começa a cair os baguinhos e aí a gente começa a colher. É no chão, é no cacho. Quando ele solta o pêndulo dele, ele está maduro, os pés aí são todos baixos.
Polpa de butiá | Foto: Bob Barbosa/Brasil de Fato
O butiá que ocorre nos Areias da Ribanceira é o butia catarinensis, uma variedade que dá numa palmeira de pequeno porte, que é usada também para proteger os roçados dos ventos fortes, comuns no litoral sul de Santa Catarina, conforme explica Marlene. “Um dos manejos é esse, o butiá é utilizado como quebra-vento nas roças, a gente tira as plantas menores e replanta nas extremidades da roça, já vira um quebra-vento. As plantas maiores ficam, a gente não tira.”
Outra prática tradicional dos pescadores locais é o escambo, a troca envolvendo o butiá, que Marlene descreve. “Quase tudo quanto é pescador coleta o butiá. Ele tem a sua reservinha de butiá na cachaça. Quando os barcos de fora vêm, ele vai lá e troca. Muitas vezes os pescadores de fora querem a cachaça curtida no butiá. Não querem vender o peixe, eles querem trocar. Às vezes num cacho tu consegues 500 reais, porque tu pega um balaio de peixe, tu vendes por isso. Então é uma moeda interessante, e isso desde que eu me conheço por gente, o meu pai já fazia isso, hoje a gente também faz isso.”
Diante das tantas histórias e possibilidades oferecidas pelo pequeno e saboroso fruto de cor amarela, valorizado também pela indústria de sorvetes, a comunidade já começou as obras de adequação do Engenho de Farinha situado na sede da associação, para processar também o butiá. “A ideia é essa, é a gente conseguir agregar mais valor a essa planta, pra gente mostrar que isso também tem valor econômico”, defende Marlene, enquanto orienta os demais comunitários durante o mutirão para aprontar o engenho até o dia de São João, quando acontece a Festa da Mandioca, que agora é também do butiá.
Marlene Borges mostra um butiazeiro | Foto: Bob Barbosa/Brasil de Fato