Depois de semanas de costuras políticas, o líder do Partido Liberal (PL) na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), apresentou nesta segunda-feira (14) um requerimento de urgência para a tramitação da proposta que pede anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. O parlamentar reuniu 262 assinaturas, cinco a mais que o número mínimo exigido pelo regimento para a apresentação desse tipo de pedido. Além de membros do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, a lista inclui nomes ligados às siglas PSD, MDB, PRD, PP, PSDB, Cidadania, União Brasil, Novo, Avante, Podemos e Republicanos.
O projeto de lei (PL) em questão tramita como PL 2858/2022 e impede que se apliquem penalidades em todos aqueles que atuaram em manifestações em qualquer ponto do território nacional desde 30 de outubro de 2022, dia em que o ex-presidente foi derrotado nas urnas, até a data em que a eventual legislação entrar em vigor. Apoiadores de Bolsonaro buscam auxiliar os participantes dos ataques do 8 de janeiro e, em última medida, o próprio ex-capitão, atualmente réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento na trama golpista.
Quando aprovados no Congresso, pedidos de urgência encurtam o rito de apreciação de propostas porque evitam que elas sejam analisadas pelas comissões legislativas, levando a discussão de mérito dos textos direto ao plenário. Em geral, o debate de um projeto no âmbito dos colegiados pode levar meses ou mesmo anos, a depender da força política de cada proposta.
Por outro lado, o regimento da Câmara não estipula prazo-limite para que os parlamentares examinem pedidos de urgência no plenário. A colocação em votação de um requerimento do tipo, assim como de qualquer outra proposta, depende do presidente da Casa, que tem a prerrogativa de selecionar a agenda de votações.
Na dinâmica do jogo legislativo, a decisão sobre quais textos serão colocados em votação é tomada a partir de diálogo com as lideranças partidárias. Sem um termômetro político que garanta apoio majoritário a uma proposta, o horizonte de votação de um projeto costuma ficar mais distante. No caso do PL 2858, outros elementos contam no jogo: a proposta é rechaçada pelo governo Lula e pelo STF, alvo político da oposição.
Sóstenes e aliados têm utilizado como argumento pró-anistia o caráter elevado de parte das penas aplicadas pela Corte. Segundo balanço oficial divulgado pelo Supremo em janeiro deste ano, até então 371 pessoas entre as mais de 2 mil investigadas por participarem dos ataques haviam sido condenadas. Dessas, 225 receberam penas que variam de três a 17 anos e meio de prisão. Nesse grupo estão os que foram condenados por tentativa de abolição do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público.
No Congresso, diferentes parlamentares têm se manifestado pela redução das penas de 17 anos, o que acabou dando força às costuras da ala bolsonarista. Presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) chegou a dizer, por mais de uma vez, que considera tais penas “um exagero”, ao mesmo tempo em que diz que uma pauta como a da anistia piora a “crise institucional”. É nessa janela política que o grupo de Sóstenes tem tentado atuar para fazer a pauta avançar. Nas últimas semanas, o grupo tentou obstruir votações em comissões e no plenário, além de ter feito diferentes protestos para chamar a atenção para a proposta. O projeto encontra resistência especialmente em partidos como PT, PDT, PSB, PCdoB e PV.
Governo
Após vir à tona a notícia de apresentação do requerimento de urgência nesta segunda (14), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), manifestou-se publicamente sobre o assunto. Por meio de sua conta na rede social X (ex-Twitter), o petista destacou que o protocolo do pedido não tem efeito político automático.
“O requerimento de urgência para o PL da anistia não garante sua imediata tramitação. Há mais de mil requerimentos apresentados. Cabe ao presidente da Casa decidir o que será pautado. A oposição deixa de esclarecer que o PL visa, preferencialmente, anistiar Bolsonaro e os seis generais idealizadores, planejadores e comandantes da intentona de golpe de Estado, como apuraram as investigações da Polícia Federal. Outro aspecto importante é que o projeto não condiz com o que os parlamentares da oposição estão dizendo. Não se trata de dosimetrias das penas, como foi dito”, disse Guimarães.
Na sequência, o petista ressaltou a posição do governo sobre o assunto. “A Câmara não pode incorrer no erro de garantir a impunidade de pessoas que atentaram contra a ordem democrática, o Estado democrático de direito e o próprio Congresso Nacional. Não há precedentes, na história do Brasil, na vigência de plena democracia, de se conceder anistia antes do julgamento da Justiça. A anistia cumpriu seu papel histórico na redemocratização do Brasil, diferentemente do que pretendiam os conspiradores que praticaram atos contra a democracia no dia 8 de janeiro de 2023, para instaurar um regime ditatorial”, emendou.
PT
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), também se manifestou sobre o assunto. Em nota enviada à imprensa no início da noite, ele chamou a proposta de anistia de “aberração contra a democracia”. “O PL comemora o protocolo de um requerimento de urgência para o projeto de anistia de Bolsonaro e seu entorno golpista, mas queremos aqui reafirmar que existem 2.245 projetos tramitando em regime de urgência na Câmara. Esse é apenas mais um, o número 2.246. Quem tem o poder de pauta no plenário é o presidente da Casa, Hugo Motta, e, desde que ele assumiu, só tem pautado em urgência projetos de consenso entre os líderes. Estamos certos de que não será diferente desta vez”, disse Farias, em aceno de pressão sobre o deputado paraibano.
“Como vimos afirmando, esse projeto 2858/22 é uma verdadeira aberração constitucional e uma ameaça à democracia. Trata-se de um instrumento forjado para livrar Bolsonaro e seu grupo criminoso da cadeia, com um alcance alarmante, que abrange todos os atos golpistas pré e pós-8 de janeiro de 2023. É inconcebível um projeto que pretende livrar da punição, por exemplo, os que tramaram, na Operação Punhal Verde e Amarelo, o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF”, finalizou o petista.