O ímpeto do governo federal em poupar recursos para reduzir a dívida pública pode comprometer investimentos em saúde e educação a partir de 2027 e deixar o próprio executivo nacional sem recursos para executar qualquer novo projeto a partir de 2029.
Isso é o que indicam as estimativas sobre Orçamento da União divulgadas pelo Ministério do Planejamento na terça-feira (15). O órgão é o último responsável pela elaboração dos projetos das leis orçamentárias que definem os gastos federais.
O ministério enviou na terça suas primeiras previsões para os gastos de 2026. Previu que o salário mínimo será elevado dos atuais R$ 1.518 para R$ 1.630, e que o governo gastará R$ 38,2 bilhões a menos do que vai arrecadar – ou seja, que obterá um superávit fiscal equivalente a pelo menos 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Essa poupança é maior do que a obtida em 2024 e a estimada para 2025. Tanto no ano passado quanto neste ano, o objetivo tem sido igualar gastos e arrecadação, alcançando o chamado déficit fiscal zero.
A elevação da poupança – o superávit – é perseguida pelo governo para redução da dívida pública federal. Essa meta, entretanto, vai reduzir de R$ 221,2 bilhões para R$ 208,3 bilhões o espaço para os chamados gastos discricionários de 2025 para 2026, uma queda de 5,8%.
Os gastos discricionários são o espaço reservado no orçamento para gastos não obrigatórios do governo, como salários de servidores ou aposentadorias. Toda obra, compra de equipamento e investimento é um gasto discricionário. Emendas parlamentares também são pagas com recursos discricionários.

Restrições em 2027
Para 2027, o espaço para esse tipo de gasto é ainda menor: R$ 122,2 bilhões, pouco além da metade do previsto para 2025 e 41% menor do que o proposto para 2026. A redução tem a ver, principalmente, com a promessa do governo de elevar para 0,5% do PIB seu superávit fiscal em prol da redução da sua dívida.
Esse objetivo, no entanto, já tende a comprometer investimentos em saúde e educação no ano. Isso porque, dos R$ 122,2 bilhões para gastos, R$ 56,5 bilhões estariam reservados para emendas. Sobrariam R$ 65,7 bilhões. Isso é menos do que os R$ 76,6 bilhões necessários para o governo cumprir com os gastos mínimos educacionais e de saúde determinados na Constituição Federal.
Inviabilidade em 2029
Apesar disso, o governo prevê seguir ampliando seu superávit para 1% do PIB em 2028 e 1,25% do PIB em 2029. No último ano, sobrariam somente R$ 8,9 bilhões para gastos discricionários – queda de 95% com relação ao reservado para este ano.
A título de comparação, R$ 8 bilhões é o gasto que o governo pretende ter neste ano só com seu programa de reindustrialização. Para a redução da desigualdade, estão previstos gastos de R$ 170,8 bilhões, muito além do que caberia no Orçamento de 2029.
Críticas
“Essa meta ambiciosa de superávit primário é um equívoco. Exige um esforço social muito grande”, reclamou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Você não pode ter uma dinâmica fiscal que impeça o Estado de realizar investimentos discricionários. Isso é um suicídio econômico para o futuro do país.”
Segundo Weiss, são os investimentos governamentais que dinamizam a economia, geram oportunidades de crescimento e reduzem as desigualdades.
“O rigor das regras fiscais garantiu governabilidade ao atual governo, mas está provocando a inviabilidade de certas políticas, por restringir demais o espaço fiscal para ampliar gastos sociais necessários”, reforçou Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Arcabouço
Ela lembrou que o Inesc vem apontando há tempos a incompatibilidade de metas fiscais vinculadas ao Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que substituiu o teto de gastos instituído no governo Temer, às necessidades sociais de investimento.
Manhas disse que os gastos da saúde e educação em 2027 tendem a forçar uma rediscussão de regras constitucionais. O “mercado”, diz ela, tende a defender a desobrigação constitucional dos investimentos nas duas áreas. Ela, no entanto, prega que o arcabouço seja revisto pela garantia dos pisos constitucionais.
Weslley Cantelmo, presidente do Instituto Economias e Planejamento, defende o mesmo. Para ele, a regra fiscal tende a comprimir o tamanho do Estado se não for alterada. Tende também a limitar a capacidade de crescimento, arrecadação e, por fim, inviabilizar cada vez mais a capacidade de investimento do governo.
“O arcabouço fiscal é o contrassenso para o desenvolvimento de qualquer país”, afirmou. “Todo país do mundo que conseguiu passar a um novo patamar de desenvolvimento usou o contrário a isso. Utilizou a dívida pública para o desenvolvimento.”