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A resposta somos nós: demarcar as terras indígenas é o mínimo

A existência indígena segue ameaçada, mas também segue viva e potente

Este texto é uma experimentação de escrita compartilhada. Uma co-criação entre uma pessoa indígena Pataxó e uma pessoa não indígena, que, em outros contextos, também se identificam como orientando de mestrado e orientadora, como parceiros de luta — entre os muitos lugares onde nos reconhecemos, nos unimos, e também nos tensionamos.

Partimos de uma imagem que tem nos atravessado nos últimos dias: o Acampamento Terra Livre (ATL). Reconhecemos nele um espaço de força política e ancestral dos povos indígenas — ou, de nós, povos indígenas. Do ATL, uma fala se repetiu, cresceu em coro e ganhou corpos em movimento e canto: “a resposta somos nós.”

Essa frase nasce de um mundo em crise, um mundo que tem sido pensado como fim, como utilidade, um mundo que pode findar ou onde “o céu pode cair” — como dizem algumas lideranças. 

Este é o mundo onde uma exigência já não pode mais ser adiada: demarcar. “Demarcar é o mínimo”. E o mínimo carrega a denúncia: a violência estatal contida na contínua negociação daquilo que deveria ser inegociável, os territórios indígenas.

Os dados falam por si: no Brasil, cerca de 1,7 milhão de pessoas se identificam como indígenas. No entanto, apenas 21,79% vivem em domicílios situados em Terras Indígenas (TIs). A grande maioria — 78,21% — vive fora delas, muitas vezes em condições precárias, nas bordas das cidades, entre deslocamentos forçados e violências cotidianas.

Isso nos obriga a afirmar que o direito à demarcação segue sendo negado. É um direito sagrado, mas seu reconhecimento continua lento. E isso tem causas claras. Ao escutarmos lideranças indígenas, e também aliados que se somam à luta, compreendemos melhor os elementos que travam os processos. No Brasil, os interesses políticos seguem emperrando as demarcações. Essa história já dura 525 anos. E não queremos mais discursos. Queremos ação. Urgente.

A garantia dos territórios também passa por potencializar a soberania daqueles que vivem em territórios demarcados, garantir saúde, educação de qualidade, garantir que as terras não sejam invadidas por garimpeiros, madeireiros e fazendeiros.  

Garantir o território também é garantir a vida das pessoas e, nesse sentido, queremos lembrar o que as mulheres indígenas têm nos ensinado com firmeza e generosidade: corpo é território, território é corpo.

Para os povos indígenas, o corpo não se separa da terra. Ele foi o primeiro território a ser invadido, colonizado, e o primeiro a resistir. Como diz a deputada federal Célia Xakriabá (Psol):

“O nosso corpo é o nosso primeiro território. Quando falamos de demarcação de terras, também estamos falando de demarcar os nossos corpos, nossos modos de ser, de viver e de existir.”

A existência indígena segue ameaçada, mas também segue viva e potente, abrindo caminhos para outras formas de vida neste planeta. São esses muitos povos que continuam a ouvir a floresta, que sustentam a certeza de que a vida não é mercadoria, e que, às vezes, é preciso segurar o céu com as mãos — gesto de cuidado com todos nós.

Essa história já dura 525 anos. E não queremos mais discursos. Queremos ação

Que as universidades, as escolas, os governos e os espaços políticos saibam escutar o que vem da terra. A demarcação não é concessão — é o mínimo. 

E é nesse mínimo que garantimos o máximo, daí a “resposta”: vidas indígenas garantidas em sua potência, universidades indigenizadas, corpos e mentes potencializados pelas diversas outras formas de existir.

Sadraque Pataxó é professor indígena Pataxó e mestrando no Programa de pós-graduação em educação, conhecimento e inclusão social da FaE/UFMG.

Erica Dumont é enfermeira e antropóloga, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública e da Pós-graduação em Educação, Conhecimento e Inclusão Social da UFMG.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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