No dia 19 de abril é celebrado o dia dos povos indígenas em todo país. A data celebra a luta e a resistência dos povos indígenas, que, segundo o Censo de 2022, chega a 1,7 milhão de pessoas no país. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), mais de 6 mil indígenas de diferentes etnias compõem essa população, que resiste em meio a crimes – como os de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) -, repressões e preconceitos.
A RMBH é lar de diferentes etnias dos povos indígenas, como é o caso dos Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Xukuru-Kariri e Kamakã, que vivem em uma constante luta pelos seus territórios, constantemente afetados pela presença das mineradoras na região.
Pataxó e Pataxó hã-hã-hãe
Os povos Pataxó e Pataxó hã-hã-hãe foram afetados pelo crime da mineradora Vale em Brumadinho, em 2019. Por essa razão, uma parte da aldeia Pataxó Naô Xohã, localizada à beira do rio Paraopeba, em São Joaquim das Bicas, teve que se deslocar para a cidade de Brumadinho, pois o rio que sustentava a aldeia foi completamente contaminado pelo rompimento da barragem.
Mesmo assim, liderados pelo cacique Sucupira, cerca de 13 famílias da aldeia ainda resistem no mesmo lugar e cobram a mineradora Vale por melhores condições na região.
“Essa comunidade foi afetada pelo crime da Vale, mas uma parte da comunidade ainda permanece lá liderada pelo cacique Sucupira. São cerca de 13 famílias que resistem ali, apesar da recomendação feita pelo Ministério Público sobre a impossibilidade de viver ali devido à contaminação. Infelizmente a Vale até hoje não encaminhou as providências e as recomendações do Ministério Público em relação a esta comunidade”, explica Haroldo Heleno, coordenador do Conselho Indigenista Missionário do Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A parte da aldeia que se deslocou para Brumadinho conta hoje com 38 famílias, que ocupam mais de 360 hectares e são lideradas pelo cacique Aracuã.
Além das aldeias Naô Xohã, os povos Pataxó e Pataxó hã-hã-hãe também constituem a Aldeia Katurãma, localizada em São João dãas Bicas, com mais de 20 famílias. A Aldeia Katurãma tem como líder a cacica Célia Angohó. Antes de conseguirem o território em São Joaquim de Bicas, há três anos atrás, estavam localizados no bairro Jardim Vitória em Belo Horizonte.
Kamakã Mongoió
Na região de Brumadinho, desde outubro de 2021, liderados pelo cacique Merong Kamakã Mongoió, o povo Kamakã Mongoió realiza uma retomada territorial no Vale do Córrego de Areias, entre os distritos de Casa Branca e Piedade do Paraopeba, área marcada pela presença da mineradora Vale e próxima à Serra da Moeda.
Eles têm buscado o reconhecimento oficial e a estruturação do território, contando com o apoio de entidades de Assessoria Técnica Independente (ATI) do Paraopeba, como o Instituto Guaicuy e o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab). Hoje a cacica e o cacique Rogério comandam a retomada.
O povo Kamakã Mongoió também conta com a comunidade indígena Kamakã Grayra, localizada na cidade de Esmeraldas. A aldeia foi formada por um grupo de famílias Kamakã que, após sofrerem com preconceito e violência na capital, decidiram retomar a Fazenda Santa Tereza, que estava abandonada e passou a ser chamada de Aldeia Kamakã Grayra.
A comunidade é um espaço de resistência e luta pelo direito à terra, onde vivem 18 famílias em 700 hectares, lideradas pela cacica Marinalva.
Xukuru Kariri
Também na região de Brumadinho encontra-se o povo Xukuru Kariri na Aldeia Arapowã Kakya, que tem mais de 160 hectares e conta com quase 80 pessoas, lideradas pelo cacique Carlos.
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Além da área em Brumadinho, o povo Xukuru Kariri se tornou a primeira aldeia indígena a habitar o sul de Minas, quando 35 indígenas chegaram na Fazenda Boa Vista, em Caldas, e a ocuparam.
Resistência
A resistência dos povos indígenas no país está enraizada em mais de cinco séculos de história. Desde a chegada dos colonizadores portugueses, povos indígenas enfrentam processos contínuos de invasão e apagamento de suas culturas.
Para o coordenador do Cimi, a força desses povos está diretamente ligada à espiritualidade e ao profundo senso de coletividade. “A resistência desses povos se dá justamente a partir das suas espiritualidades e do conhecimento histórico dos seus direitos. E também por esse espírito comunitário que marca a vida de todos os povos indígenas, independente do seu tronco linguístico ou de onde estejam”, explica.
Outro elemento central para a resistência e defesa da identidade indígena, segundo Heleno, é a oralidade.
“É um instrumento extremamente importante nas comunidades. Quem convive com os povos indígenas percebe que esses elementos são fundamentais, junto com outros elementos mais externos, como a articulação política”, afirma.
Além disso, ele explica que, atualmente, diversas organizações indígenas atuam de forma coordenada para garantir o cumprimento dos direitos assegurados pela Constituição Federal, fortalecendo uma rede de apoio entre diferentes povos.
Lutas atuais
Entre os principais desafios enfrentados pelas comunidades da RMBH está a luta por políticas públicas específicas e eficazes.
“Há uma luta importante dessas lideranças pela garantia de políticas públicas como saúde diferenciada, educação com currículo próprio e políticas de segurança. Todas essas políticas são deficientes na sua grande maioria nas comunidades”, afirma Heleno.
Além disso, o preconceito continua sendo uma barreira significativa, especialmente nas áreas urbanas.
“Existe ainda muita perseguição contra as comunidades e lideranças, principalmente num contexto urbano como o de Belo Horizonte, onde temos uma sociedade extremamente preconceituosa e patriarcal, que não consegue respeitar o diferente”.
A mineração no estado, principalmente na RMBH, também tem sido um dos motivos para as lutas atuais dos povos indígenas. Povos como os Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Kamakã Mongoió e muitos outros, enfrentam diariamente uma luta pela demarcação de suas terras e por garantias de direitos.
Meio ambiente
A presença dos povos indígenas nos municípios da região também representa uma importante resistência para a preservação ambiental frente à crescente ameaça dos grandes empreendimentos minerários.
“Há um projeto extremamente violento contra a natureza, que é o projeto minerário em Minas Gerais. Quase todos esses projetos afetam terras indígenas”, denuncia Heleno. Ele cita como exemplo a Aldeia Arapowã Kakya, do povo Xukuru Kariri, que retomou uma área da mineradora Vale, antes destinada à suposta recuperação ambiental.
“A comunidade transformou essa área que estava completamente abandonada em uma área que tem vida: floresta se recuperando, peixe sendo criado, horta servindo de alimentação sem veneno para as comunidades. Em apenas três anos, a própria comunidade está fazendo um processo de recuperação ambiental”.
Segundo o coordenador, a relação dos povos indígenas com o meio ambiente vai além da preservação técnica. É um vínculo de respeito ancestral. “Eles têm uma relação de mãe e filhos com a natureza. Conseguiram transformar em pouco tempo uma área de morte em vida — não só para a comunidade, mas para toda a região”.
Para Haroldo, a presença indígena na RMBH, especialmente em municípios como Esmeraldas, Brumadinho e São Joaquim de Bicas, é essencial para garantir que o meio ambiente continue sendo protegido.
“O meio ambiente não tem preço. A luta das comunidades é também uma luta pela preservação do rio, da mata e das riquezas que ainda restam, antes que tudo seja levado por esses projetos que não respeitam a vida”.