O papa Francisco foi um dos pontífices mais próximos da Venezuela e, certamente, o mais simpático aos governos bolivarianos. A sua trajetória como liderança do Vaticano começa em 13 de março de 2013, apenas 8 dias depois de Nicolás Maduro tomar posse em Caracas para o que seria o seu primeiro mandato como presidente. Encontros entre os dois para discutir a situação política e econômica venezuelana e a preocupação com a migração foram alguns dos temas abordados por Francisco, que morreu nesta segunda-feira (21).
O primeiro episódio envolvendo o papa Francisco e a Venezuela foi logo em junho de 2013. Ele se encontrou com Nicolás Maduro na Sala da Biblioteca do Palácio Apostólico do Vaticano. Na ocasião, o mandatário venezuelano foi com uma delegação de bispos venezuelanos e disse ser uma “honra” conhecer o então novo papa. Além de discutirem as questões envolvendo a América Latina, Maduro pediu o reconhecimento pela Igreja Católica de José Gregorio Hernández como santo.
Aquele momento também ficou marcado pelo reconhecimento da ONU ao governo venezuelano por conseguir cumprir o “desafio da fome zero” com dois anos de antecedência, conquista elogiada pelo papa durante a visita. O ex-presidente Hugo Chávez havia morrido em 5 de março e o apoio da Igreja Católica à Venezuela durante aquele momento também foi discutido.
Em novembro de 2013, o papa Francisco também teve um encontro com o ex-candidato à presidência Henrique Capriles, que questionou a vitória de Maduro nas eleições daquele ano. Ele pediu a mediação do Vaticano no diálogo político no país. Dois anos depois, outro opositor venezuelano teve uma audiência privada com o papa, o então governador do estado de Lara, Henri Falcón. Ele chegou a convidar o pontífice para a inauguração do monumento Manto de María en Barquisimeto
O papa teve outro encontro com Maduro em outubro de 2016, quando o presidente venezuelano estava negociando com a oposição uma saída para o referendo revogatório contra seu mandato. A oposição era maioria na Assembleia Nacional e tentava derrubar o presidente por meio desse referendo.
“O papa quis continuar oferecendo sua contribuição ao quadro institucional do país e ajudar a resolver questões pendentes e a construir maior confiança entre as partes. Francisco convidou os envolvidos a embarcar corajosamente no caminho do diálogo sincero e construtivo, para aliviar o sofrimento do povo, em primeiro lugar dos pobres, e promover um clima de renovada coesão social, que nos permitirá olhar com esperança para o futuro da nação”, disse o texto do Vaticano à época.
Naquele mesmo período, integrantes do grupo de extrema direita Mesa de Unidade Democrática se reuniram também com um enviado especial do Vaticano para discutir a questão política da Venezuela.
O ano seguinte, no entanto, ficou marcado pelo aprofundamento da crise política e econômica da Venezuela, fruto do aumento da pressão dos Estados Unidos contra o país caribenho. O governo de Donald Trump aumentou o ritmo das sanções e bloqueou o mercado petroleiro venezuelano. A oposição de extrema direita retoma as guarimbas, que foram atos violentos contra os chavistas.
O governo de Maduro pede então apoio do Vaticano na mediação desse conflito. Como resposta, o papa reforçou o compromisso com uma solução democrática para o conflito e propôs uma reunião entre governo e oposição, que não aconteceu. O temor por uma escalada na tensão no país também foi mencionado pelo pontífice em 2019, depois que o ex-deputado Juan Guaió se autoproclamou presidente. Francisco afirmou que tinha medo de “um banho de sangue” devido ao aumento da violência dos diferentes setores do país.
Em 2021, o papa Francisco também falou sobre a Venezuela e se disse preocupado com a questão migratória do país, que passou por um êxodo grande de venezuelanos depois do início do bloqueio dos EUA. Ele chegou a elogiar países como a Colômbia, que deu status de proteção aos migrantes.
Mas essa aproximação do papa com a Venezuela também teve momentos de críticas. Depois das eleições presidenciais de 2024 e a reeleição de Maduro, Francisco pediu moderação, tanto da oposição de extrema direita, como do governo.
A última atuação do Papa Francisco com a Venezuela foi a autorização para a canonização de José Gregorio Hernández como primeiro santo da Venezuela reconhecido pela Igreja Católica ao nível global. O governo venezuelano agradeceu a medida e disse que esse era um “grande presente e um grande passo” para a população.
Conhecido como “médico dos pobres”, Gregorio Hernández já havia sido beatificado, ou seja, reconhecido como santo localmente na Venezuela. A decisão de ampliar esse reconhecimento foi tomada pelo papa depois de uma audiência no Hospital Policlínico Gemelli de Roma, onde ele ficou internado devido a uma pneumonia bilateral.
A própria Igreja Católica reforçou essa relação entre Francisco e a Venezuela. Em uma coletiva na Catedral de Caracas nesta segunda-feira, o arcebispo da capital venezuelana, Raúl Biord, afirmou que o papa “sempre esteve muito atento nestes 12 anos ao curso da situação na Venezuela, sempre pedindo diálogo, compreensão e respeito aos migrantes, aos direitos, a tudo”.
Maduro lamenta
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também lamentou a morte do papa e agradeceu sua contribuição com a Venezuela. Segundo o mandatário, Francisco foi uma “bússola moral contra o ressurgimento do fascismo”.
“Francisco não era um príncipe da Igreja, ele era um discípulo de Jesus, um verdadeiro pastor de Cristo. uma bússola moral em tempos de tempestade. Foi Francisco quem regenerou moral e espiritualmente a Igreja Católica”, afirmou em seu programa Con Maduro+.
Ele também relembrou a autorização para a canonização de José Gregório Hernandez e a beatificação de Carmen Rendiles Martínez. O governo venezuelano decretou luto de 3 dias no país.
“Caro Francisco, o povo sul-americano e nossa pátria, a Venezuela, tiveram em você um amigo ilustre, um ser especial, de profunda clareza humana, um homem de luz e de esperança. Você foi um guia que mostrou com a verdade, o caminho do amor, da justiça e da fraternidade. Continuaremos a trilhar esse caminho com o magnífico exemplo que você nos deixou: uma vida inteira vivendo nos mais altos padrões espirituais, éticos e morais”, disse o presidente.
O papa Francisco morreu por insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC), conforme anúncio do Vaticano feito na tarde desta segunda-feira. De acordo com a certidão de óbito, o pontífice teve um AVC, entrou em coma e sofreu um colapso cardíaco irreversível às 7h35, no horário de Roma, e às 2h35, no horário de Brasília.