Não, não tenho tempo a perder. E não vou ficar catatônico toda vez que alguma tela me disser que dá mais para fazer nada. Que as florestas vão se acabar, que a temperatura vai subir, que não vai mais ter emprego decente e que o povo vai tudinho morrer de fome. Que a democracia vai se acabar e o mundo vai ser governado por uma mesa redonda com um punhado de trilionários.
Nem a pau eu vou me deixar derrubar por esse papinho de que o futuro vai ser uma mistura de Handmaid’s Tale com Mad Max. Ah, sim: eu vivo neste planeta e sei exatamente o rumo para o qual estamos indo caso nada seja feito.
Mas, quer saber? Cansei dessa tarefa militante contemporânea que é sempre reagir, sempre reclamar, sempre se mostrar contrário ao discurso hegemônico. Por que não mudar a chave dessa conversa botando nossas próprias cartas na mesa? Entendo, sim, que a resiliência e a resistência (duas palavras no divã!) são um dever histórico. Mas vamos priorizar o compromisso de dizer o que queremos?
Que tal a gente se atribuir a missão ativista de sonhar – e narrar – esse mundo novo (possível e fantástico) que queremos construir? E se ao invés de só reclamar do que está acontecendo, a gente também se debruçar (e dizer pro universo!) aquilo que já deveria estar acontecendo – e que certamente acontecerá quando a gente conseguir convencer todo mundo do quanto vai ser legal? Pronto, eu tou desse jeitinho.
Tou pensando no mundo quando a internet das próximas décadas se tornar um espaço de liberdade e acesso pleno ao conhecimento e às diversidades. Um ambiente com lugar para todo mundo construir e sem colher de chá para o ódio e a manipulação. Onde as crianças e outras pessoas vulneráveis têm proteção e onde quem comete crimes será responsabilizado.
Não quero mais ficar insistindo que a floresta tem que ficar em pé e me esgoelando para convencer o governo a não trocar Mata Atlântica por equipamento militar. Ao contrário, quero usar meu juízo e gogó pra defender o plantio de mais árvores. Fecho os olhos e vejo mais agroflorestas que dão sombra, comida e bem estar para todo mundo.
Pense nesses lugares em que você passa e só vê monocultura – cana, soja, milho, essas paradas. Agora veja tudo divididinho com milhares de famílias plantando feijão, macaxeira, alface, tomate, cenoura, pitanga, manga, arroz, umas criações de pequeno porte pelo meio, uns açudezinhos com peixe e água para abastecer o sistema. Pegasse a visão? O que a família não comesse ia para as escolas e hospitais, botando dinheiro no bolso de quem produziu e saúde no prato de quem vai comer.
Pensa a gente parando de produzir lixo. Zerando mesmo. O que se recicla, vai se reciclar. O que não se recicla, vai virar energia. Já tem quem faça isso pelo mundo, estás ligada? Agora pensa naqueles restos da tua cozinha trazendo riqueza ao invés de causar fedor e contaminar lençol freático por aí. Tecnologia já tem, visse? Bem dizer é só querer fazer.
Implementada, a renda básica de cidadania vai ser uma coisa linda de se ver. Grana não vai faltar, até porque não vai ter mais bilionário. Pagando impostos mais altos, até os mais ricos vão perceber o quanto a vida melhora para todo mundo quando ninguém está na merda.
A economia da cultura iria bombar, multiplicando os investimentos que cada vez mais grupos receberão para poder inventar coisas e tornar a vida mais plena. Shows, filmes, livros e o que nem tem nome ainda. O que mais a gente consegue fazer para despertar a emoção, a reflexão, o susto ou a risada?
Inteligências artificiais, devidamente regulamentadas, ajudariam em tarefas mais simples ou mesmo nos ajudando a tomar decisões importantes baseadas em fatos. A humanidade, por sua vez, estaria de sorriso no rosto com tempo para viver e barriga cheia. Cada pessoa trabalharia no máximo 20 horas por semana e se deslocaria livremente entre países em busca de lazer ou oportunidades de trabalho. Ainda não sei se vistos em passaportes serão souvenires de viagem ou artigos de museu. Na real, tanto faz.
Com a revolução do bem viver, não existe mais nem uma família que não tenha onde morar e o transporte público (pensado, financiado e executado de forma coletiva), está disponível para qualquer pessoa que precise (ou queira) ir de um canto para o outro.
A essa altura, a guerra às drogas já é coisa do passado e as diferentes formas de se viver no mundo seriam celebradas. Nem de longe estou aqui falando que não teremos mais problemas. O bicho gente ainda é o bicho gente. Ainda sente dor, ainda fica doente, ainda morre de dúvidas sobre o que fazer e alguns ainda até levam gaia.
Certamente continuaríamos sem saber o que acontece depois da morte ou qual é o sentido da vida. Mas a gente, enquanto comunidade, poderia se ajudar e construir debates melhores. Ao menos, outros problemas.
Agora imagina o calendário de lutas virando um calendário de festas? Eu imagino.