*por Maria Fernanda Marcelino
A desigualdade no mundo do trabalho escancara uma das maiores contradições do nosso tempo. Enquanto milionários acumulam fortunas recordes, a classe trabalhadora – especialmente mulheres – ainda enfrenta jornadas exaustivas, como a escala 6 x 1, salários muito mais baixos e a ausência de proteção social.
Não faltam recursos no mundo, o que falta é uma redistribuição destes recursos que estão concentrados nas mãos de bilionários que detêm o poder nas dinâmicas do capital financeiro, fortunas adquiridas com a exploração da força de trabalho em países do mundo inteiro. Como vimos recentemente no contexto da agitação que marcou a posse de Donald Trump nos EUA, figuras como Elon Musk (X e da Tesla) e Mark Zuckerberg (Meta), cada vez mais se setem a vontade em expor seus valores conservadores de extrema direita e alimentar o discurso imperialista norte-americano contra a China.
Taxar as riquezas, garantir folgas dignas e investir em serviços públicos não são sonhos utópicos: são medidas concretas para construir um país menos desigual. Enquanto trabalhadores lutam por direitos mínimos, os super-ricos seguem sonegando. Uma verdadeira máquina de desigualdade: quem ganha um salário mínimo paga proporcionalmente mais impostos que um bilionário.
Essa discrepância brutal não é acidental: é fruto de escolhas políticas, em que o Estado se torna refém dos interesses das oligarquias econômicas. Sequestram o Estado para a manutenção de políticas a favor deles. Isso não é novo, são formar de atualizar lógicas antigas como o colonialismo e suas diversas formas de expropriar a mão de trabalho, o tempo, os territórios e os conhecimentos de povos e culturas que foram marginalizados.
O atual estágio do capitalismo neoliberal cria novas configurações de exploração no mundo do trabalho, extremamente impactados pela digitalização e suas lógicas de vigilância, controle, exclusão social e destruição da natureza. É por isso que pautar as demandas e urgências da classe trabalhadora, é falar de enfrentamentos que são estruturais na organização da sociedade brasileira, como a redistribuição dos trabalhos de reprodução social que ainda recaem majoritariamente nos ombros das mulheres negras, pobres e periféricas.
Cerca de 44% dos vínculos de emprego com carteira assinada são de mulheres no Brasil, de acordo com dados parciais do Ministério do Trabalho, que estão em sua maioria nos setores de serviços, saúde e educação. Categorias que têm a escala 6×1 e que, portanto, gera uma sobrecarga absurda. Em São Paulo, Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do 2º trimestre de 2023, 43,3% das mulheres negras na cidade de São Paulo estão no trabalho informal, enquanto este número em relação às mulheres brancas é de 41,7%. Cerca de 70% das trabalhadoras domésticas são informais e 60% das mulheres autônomas não têm CNPJ ou contribuição previdenciária, de acordo com o IBGE, em dado de 2023.
É muito cruel constatar a realidade a qual tantas trabalhadoras de supermercados, telemarketing, enfermagem, e outras categorias essenciais – muitas delas mães – estão submetidas: elas mal têm tempo para respirar. Acordam antes do sol nascer, enfrentam horas em um transporte público ruim e demorado, trabalham o dia inteiro e ainda voltam para casa, onde as espera mais outra jornada de trabalho: cuidar dos filhos, limpar a casa, preparar comida, criar um ambiente acolherdor para toda família. E no outro dia recomeçar.
Não é exagero dizer que essa rotina é desumana. Enquanto isso, onde está a responsabilização do Estado e de toda a sociedade como um todo nessa equação? A realidade é que o trabalho de cuidado continua sendo um fardo quase exclusivo das mulheres. A solução passa por políticas concretas.
Possibilitar melhores condições de trabalho e trabalho com segurança, do ponto de vista da proteção social, é fundamental. É por isso que o debate da escala de trabalho 6×1 ganha tamanha proporção. A divisão internacional racial sexual do trabalho mantém as mulheres como as pessoas mais responsáveis pelos trabalhos de reprodução da vida.
Por que para as mulheres é importante ter dias de folga? Por que para os homens é importante ter mais dias de folga? Primeiro, para ter uma vida, para poder fazer coisas para além de trabalhar, para assumir parte do trabalho que é assumido basicamente pelas mulheres e para forçar o Estado a assumir uma parte desse trabalho da reprodução da vida.
Por isso pautamos políticas públicas de cuidado como as creches, lavanderias, restaurantes, hortas, centros de cultura e tantos outros aparelhos púbicos comunitários para que a gente possa viver e viver bem.
O projeto neoliberal, em curso há décadas, tem um objetivo claro: transferir ainda mais riqueza para o topo da pirâmide. Para isso, ataca direitos trabalhistas, precariza empregos e privatiza serviços essenciais. É por isso que é urgente a taxação das grandes fortunas, de empresários e latifundiários. Se um trabalhador paga IPVA no carro popular, por que um dono de helicóptero não paga proporcionalmente mais? Por que subsidiar a educação privada enquanto trabalhadoras/es da educação, escolas e universidades públicas estão caindo aos pedaços?
No Brasil, tributa-se o consumo, não a riqueza. As pessoas pobres pagam imposto no feijão, no gás de cozinha, no ônibus. Já as ricas, que vivem de renda e patrimônio, pagam quase nada sobre seus iates, jatinhos e fazendas. Pior: ainda recebe benefícios fiscais, como descontos no imposto de renda para planos de saúde e escolas privadas – luxos inacessíveis para a maioria.
O problema não está no imposto, afinal, não tem como ter políticas públicas para alterar as desigualdades na sociedade se não tiver recursos públicos, e os recursos públicos são arrecadados através dos impostos. Mas essa conta precisa ser proporcional e justa.
Movimentos populares se organizam rumo ao Plebiscito Popular 2025
Grandes movimentações têm acontecido na geopolítica internacional em torno desses debates internacionais para pensar rumos da economia mundial e das questões climáticas, como reuniões do G20, Brics, COP, entre outras. E as feministas seguem reafirmando o que parece óbvio: para combater a desigualdade, são necessárias ações reais, concretas.
No último dia 10/04, movimentos populares organizados nas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo lançaram o Plebiscito Popular 2025. Com data marcada para setembro deste ano, a proposta é que a população brasileira vote sobre o fim da escala 6×1, com redução da jornada de trabalho sem corte salarial e a taxação das fortunas, com a tributação sobre quem ganha mais de R$ 50 mil, garantindo que quem recebe até R$ 5 mil seja isento de Imposto de Renda (IR).
Os plebiscitos populares são momentos de extrema importância para o povo. É quando a sociedade civil pode reafirmar a força do poder popular pelo qual os movimentos lutam e seguirão lutando. É quando temos a oportunidade de decidir sobre questões importantes da constituição, sobre leis e decisões administrativas. Além disso, os plebiscitos populares reforçam a necessidade do Estado brasileiro colocar em prática a democracia direta. Para avançarmos na construção de um país democrático o povo precisa ser protagonista nas principais decisões e dos rumos da sociedade.
*Maria Fernanda Marcelino é historiadora, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integra a equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.