Uma pesquisa de 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou que 1,5 milhão de pessoas trabalhavam por meio de aplicativos e plataformas digitais. O que correspondia a 1,7% da população ocupada no setor privado no Brasil, ou cerca de 87,2 milhões.
Além da ausência de direitos trabalhistas, como aposentadoria, auxílio-doença, férias, 13º salário etc, a pesquisa mostrou que as jornadas de trabalho são extensas, somando em média sete horas a mais por mês, no caso de motoristas de aplicativos, e 4,8 horas para entregadores. O que compromete a saúde mental e física, levando ao esgotamento e adoecimento.
Dados de 2018, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que o trabalho informal representa 42% dos empregos femininos no mundo. As mulheres são maioria no mercado de trabalho informal, e geralmente também são pobres, negras e periféricas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, 49,1% dos lares brasileiros tinham com responsáveis mulheres.
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“As condições de trabalho das mulheres trabalhadoras informais são marcadas por extrema precariedade e vulnerabilidade. Muitas delas atuam em ocupações mal remuneradas, sem qualquer tipo de proteção social ou trabalhista, como férias, licença-maternidade ou previdência. Além disso, enfrentam jornadas extenuantes, com dupla ou tripla carga de trabalho, acumulando funções domésticas e de cuidado, muitas vezes sem apoio”, denuncia Carol Alves, do Coletivo Elas por Elas Providência, no Rio de Janeiro.
A situação é parecida no caso dos entregadores e motoristas por aplicativos, como explica o presidente da União de Motoboy e Bike (UMB), no Rio de Janeiro, Roberto Neves. Ele enfatiza que há um conjunto de dificuldades nas condições de trabalho, que englobam desde as condições físicas, a falta de segurança, até o aumento das desigualdades sociais e econômicas.
“Sofremos com a exposição ao sol e chuva, com a falta de proteção adequada contra intempéries. Cargas pesadas na manipulação de pacotes pesados, sem equipamentos adequados. Além de temer todos os dias o risco de acidentes de trânsito, violência física, como agressões de clientes, assaltos. Sofremos com a falta de equipamentos básicos de segurança, que não são fornecidos pelas empresas que controlam os aplicativos, como capacetes, luvas e óculos de proteção”, pontua.
Projeto Saúde e Trabalho nas Plataformas Digitais
Para refletir conjuntamente, entre universidades e categorias dos trabalhadores, sobre alternativas em relação à precarização das condições de trabalho e saúde dos trabalhadores por aplicativo, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com o Instituto de Psicologia da UFRJ vêm desenvolvendo o projeto de pesquisa e extensão “Saúde e direitos dos trabalhadores em tempos de plataformas digitais: um olhar sobre a atividade“. A intenção, na etapa atual do projeto, é realizar ações de formação e divulgação científica, voltadas à promoção da saúde de trabalhadores e trabalhadoras que atuam por plataformas digitais.
A pesquisadora da Fiocruz e uma das coordenadoras da pesquisa, Letícia Masson, explica que o projeto está em andamento desde 2019, com objetivo de gerar espaços de discussão, reflexões e a construção conjunta de conhecimento sobre a relação entre saúde e trabalho, apresentando como resultado do estudo a possibilidade de “reflexão crítica e a multiplicação de conhecimentos sobre a relação saúde e trabalho por plataformas digitais, assim como, desenvolver estratégias coletivas de enfrentamento ao processo de precarização social vivido pelos trabalhadores. Entendemos que estas ações contribuem para o fortalecimento das lutas coletivas, como, por exemplo, a que se destina à regulamentação do trabalho por plataformas, visando o reconhecimento dos direitos trabalhistas”, completa a pesquisadora em entrevista a Tatiane Vargas, no Informe da ENSP.
Após a realização de um curso de formação sobre saúde e trabalho em plataformas digitais, com a participação de motoristas e entregadores por aplicativos de todo o país, a maioria ligados a diversos coletivos, associações, sindicatos e outros movimentos sociais, está sendo construída uma campanha de comunicação, na área da publicidade social.
A ideia é que os diálogos estabelecidos ao longo do curso despertem reflexões junto a outros trabalhadores e trabalhadoras por aplicativos, bem como com a população em geral, sobre as condições de saúde e trabalho de motoristas e entregadores, contribuindo para a cobrança de direitos e a construção de políticas públicas junto ao poder público.
O desenvolvimento da campanha de publicidade social é coordenado pela professora Patrícia Saldanha, do Curso de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Coordenadora Geral do Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (LACCOPS).
Patrícia Saldanha enfatiza que a equipe de publicidade e de jornalismo do LACCOPS têm procurado compreender as questões essenciais da categoria em relação à saúde e à luta por direitos, que orientaram cada etapa de condução das ações de campanha. “Nosso objetivo central é, a partir da publicidade social, refletir e pensar ações que possam contribuir com a melhora das condições de vida de homens e mulheres que trabalham diariamente sob regimes exaustivos, mal remunerados e sem proteção do Estado e da sociedade”, destaca.
Segundo Saldanha, a construção de trabalhos, cuja metodologia é a publicidade social, envolve diversas etapas. Neste caso, a primeira foi a escuta, na participação das oficinas oferecidas pelo grupo de pesquisa e, em que a equipe começou a entender a dinâmica de trabalho que vem sendo desenvolvido no projeto com os trabalhadores/as por aplicativo.
“Estar nesse espaço e nas reuniões com a equipe da Fiocruz e da UFRJ nos proveu de elementos para a construção coletiva do conceito da campanha, definição das linguagens aplicadas e meios de divulgação, que constituem a base estruturante e conceitual do trabalho a partir da publicidade social,” aponta.
Ainda segundo a professora da UFF, a publicidade social funciona como uma metodologia potente que visa a transformação social. “É mais trabalhosa, pois mescla teoria e metodologia numa práxis de transformação de maneira coletiva e consensual. Dá um trabalhão! Mas é assim mesmo, a publicidade social só tem efeito se tiver a participação efetiva do movimento social e da sociedade civil no processo, na causa ou no público específico. Neste caso precisamos entender os impasses que os(as) atingem a partir deles(as)”, pontua.
* Solange Engelmann é jornalista, doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS. Faz parte do grupo de pesquisa do Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (LACCOPS/UFF) e é comunicadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
** Tatiane Mendes é pós-doutoranda em Comunicação Social pela UFF. Coordenadora de jornalismo do Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops/UFF). Pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI) e do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação (Codes).
*** Patrícia Saldanha é professora doutora associada do Departamento de Comunicação Social e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (PPGMC/UFF). Fundadora, Coordenadora Geral e líder pelo CNPq do Grupo de Pesquisa intitulado Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops). É membro fundadora do Instituto Nacional de Pesquisa em Comunicação Comunitária (INPECC).
** * Essa reportagem foi produzida pelo Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops) como parte da campanha de comunicação publicitária do projeto de pesquisa e extensão “Saúde e direitos dos trabalhadores em tempos de plataformas digitais: um olhar sobre a atividade”, realizado pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) e o Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (DAPS), ambos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com o Instituto de Psicologia da UFRJ.