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Agroecologia e Democracia

Como a agroecologia está respondendo às mudanças climáticas no Brasil

Nova pesquisa-ação da ANA está mapeando experiências no país para reunir dados e aprofundar conhecimentos

Pelo terceiro ano consecutivo, não há colheita da uva na Região das Missões (RS). Na Amazônia, a previsão para este ano é de seca ainda mais severa. Na Zona da Mata (MG), o café que era colhido em abril já dá sinais de amadurecimento em janeiro. Nos próximos 10 anos, estima-se que o Brasil terá áreas semiáridas por toda a sua extensão. Não faltam relatos preocupantes dos impactos das mudanças climáticas nos territórios. Mas será que é possível dizer que os sistemas agroecológicos de produção são mais resilientes aos efeitos das mudanças do clima? Podemos afirmar que a agroecologia é um caminho eficaz para enfrentar a emergência climática? 

Para responder a estas questões, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) iniciou, em 8 de abril, o Mapeamento de Experiências de Agroecologia e Justiça Climática, como parte do projeto “Redes de agroecologia no enfrentamento às mudanças climáticas: uma pesquisa-ação desde os territórios”. O projeto visa conhecer e aprender com as experiências desenvolvidas por diversos sujeitos que usam o conhecimento e a prática agroecológica em seus territórios. 

Da mesma maneira que o movimento agroecológico acumula muitas informações sobre os efeitos das catástrofes climáticas nos territórios, é perceptível como as iniciativas desse campo têm obtido respostas exitosas diante das consequências das mudanças do clima. 

Há um mês, a  colheita da maior safra do arroz agroecológico produzido nos assentamentos do MST no Rio Grande Sul, após dois anos de enchentes, deu sinais explícitos da resiliência dos sistemas agroecológicos e de sua capacidade para promover a rápida recuperação dos biomas.

Em Minas Gerais, onde há grandes desafios ligados à monocultura de café, a agrofloresta tem se apresentado como um caminho para recuperar a biodiversidade e diversificar os sistemas de produção. 

No Paraná, o contraponto aos impactos negativos da forte presença do agronegócio é feito por organizações, coletivos e redes de agroecologia com ações consolidadas para a preservação da agrobiodiversidade, que são celebradas e amplificadas por meio de um calendário de festividades em torno das sementes crioulas. Além de reconhecer e valorizar os distintos modos de vida e a cultura popular, essas iniciativas cumprem papel fundamental na manutenção dos ciclos ecológicos e da diversidade agroalimentar local.

Conforme explica Helena Lopes, pesquisadora integrante do Grupo de Trabalho (GT) Justiça Climática e Agroecologia da ANA e coordenadora do projeto, a pesquisa-ação pretende produzir conhecimento sobre a interface entre a agroecologia e as estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas. Será também uma oportunidade para aprofundar conhecimento sobre as práticas necessárias para conjugar a construção de sistemas agroalimentares justos e resilientes com a justiça climática. Esta perspectiva inclui questionar as falsas soluções que têm sido propagadas como saída para a crise climática, mas que, ao contrário, intensificam desigualdades e a própria crise climática. 

“Os dados e análises visam destacar o que significam as mudanças climáticas a partir de um olhar do campo da agroecologia. A proposta envolve construir um entendimento comum sobre o tema e que tenha como princípio a diversidade de percepções, resiliência e resistências trazidas pelos territórios”, analisa Helena. 

A partir da sistematização das informações e dos dados levantados, a iniciativa também vai contribuir para que o movimento agroecológico possa incidir na construção de políticas públicas que sejam capazes de promover a justiça climática no Brasil e que sirvam de referência para o mundo. 

Entre os recortes da pesquisa, estão temas diversos, como: práticas de manejo para enfrentar os impactos das mudanças climáticas; práticas relativas à energia; grupos sociais protagonistas (mulheres, jovens, idosos, pessoas negras etc.); políticas públicas acessadas; acesso à alimentação e enfrentamento à fome; construção social de mercados; gestão de resíduos sólidos orgânicos; e conservação da agrobiodiversidade.

O mapeamento também permitirá avaliar questões relacionadas à convivência com os territórios (campos, florestas, rios e outros); à promoção da saúde; à construção do conhecimento agroecológico; aos sistemas agroflorestais, reflorestamento e recuperação de áreas degradadas; ao saneamento ecológico;  entre outros itens.

A conclusão da primeira etapa da pesquisa está prevista para o início de agosto e os resultados serão apresentados no 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), na Cúpula dos Povos rumo à COP 30 e no 5º Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em 2026. Os dados da pesquisa estarão disponíveis para consulta na plataforma Agroecologia em Rede

O projeto é coordenado pelo GT Justiça Climática e Agroecologia da ANA, com a colaboração da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e das ONGs Fase – Solidariedade e Educação, AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia e Associação Agroecológica Tijupá, e com o apoio do Agroecology Fund. 

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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