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Carlos Castelo

Não alimente os pombos, nem os pseudo-humoristas

Estamos diante de uma era que merecia uma gargalhada furiosa, mas que recebe apenas risadinhas tímidas e complacentes

Casteladas, a coluna de aforismos e pensamentos, traz o gênero literário conhecido por ser o oposto do calhamaço. A frase curta – ou o fragmento – de alegria instantânea, a serviço do humor.

§ Se existe um verdadeiro motor para o colapso da civilização moderna, não é a ganância, a corrupção ou mesmo a internet. É a incapacidade abissal das pessoas de interpretar um texto. Mesmo aqueles tão claros quanto uma placa de “puxe” numa porta de vidro.

Vivemos numa época em que um bilhete dizendo “Favor não alimentar os pombos” gera debates acalorados sobre liberdade de expressão, direitos dos pombos e teorias da conspiração envolvendo o tráfico aviário. Cada frase é agora uma oportunidade para a plateia demonstrar não apenas sua falta de compreensão, mas seu orgulho dessa deficiência. Não entender virou sinal de autenticidade; interpretar bem, por outro lado, é elitismo literário da pior espécie.

Basta um post escrito “Hoje está calor” para a turba se dividir em três facções: os que acusam o autor de negacionismo climático, os que denunciam apropriação cultural do sol e os que, sem ler além do título, já convocam um protesto para uma praça com cartazes exigindo a prisão imediata do culpado.

Quando foi que compreender um parágrafo virou um luxo reservado aos sábios do Olimpo? Antigamente, até um asno conseguia, com algum esforço, perceber que uma pergunta retórica não era um ataque pessoal.

E pouco importa o que o autor escreveu; importa o que você, iluminada criatura, sentiu quando leu. Se uma receita de bolo lhe trouxe lembranças traumáticas da infância, a culpa é da receita, do autor, da editora, da farinha de trigo e, claro, do sistema opressor.

No fim, sobrarão só os avisos – e nem assim entenderão.

§ Se o humor fosse uma árvore, os humoristas atuais seriam suas frutas caídas antes do tempo, sem gosto. E, sobretudo, sem muita graça para quem as mastiga.

Não faz muito tempo, o humor era uma lança fincada no flanco dos poderosos, uma destilação ácida da inteligência contra os absurdos do mundo. E hoje? É um emoji de risada girando em câmera lenta: sem impacto, sem propósito, sem cérebro. Os autoproclamados comediantes de agora fazem piadas que soam como o murmúrio de alguém tentando manter seu número de seguidores intacto.

Não há crítica, não há coragem. Em seu lugar, temos o que se poderia chamar de humor de almofada: macio, inofensivo, feito para não acordar a vovó que cochila no sofá. O máximo de rebeldia que apresentam é uma careta ou outra, seguida de um pedido de desculpas, caso alguém tenha ficado constrangido.

Esses humoristas modernos não satirizam o status quo; eles são o status quo, vestidos em roupinhas descoladas e rindo de si mesmos antes que mais alguém tenha a chance de fazê-lo.

O que se vê nos palcos, nos streamings e nas redes sociais é uma procissão de egos inflados, andando em fila indiana rumo ao nada, balbuciando banalidades embaladas como conteúdo. A audácia foi substituída por hashtags, a sátira por dancinhas, e a inteligência por slogans ruins.

Se os humoristas de antes eram chefs da irreverência, os de hoje são garçons servindo piadas mornas para uma plateia que sequer tem fome. E, pior ainda, acham-se revolucionários porque, por vezes, soltam um palavrão entre uma anedota sobre aplicativos de relacionamento e outra sobre a dificuldade de usar o celular em uma zona de sombra.

Estamos diante de uma era que merecia uma gargalhada furiosa, mas que recebe apenas risadinhas tímidas e complacentes. Um epitáfio perfeito para a comédia de nosso tempo.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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