Aproveitando a vinda do representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Javier Palummo, ao Rio Grande do Sul, diversas entidades encaminharam um pedido de audiência para debater o que ocorreu com os povos indígenas brasileiros durante a ditadura civil-militar. O objetivo é que se ouçam as vozes de indígenas, organizações parceiras e pesquisadores(as), para que a CIDH possa ter uma visão geral do que foi perpetrado para reparações e para assegurar a obtenção da memória, verdade e justiça.
“Na época da ditadura militar a gente sofreu muito, a principal violação contra o nosso povo guarani foi a desterritorialização, fomos expulso de nossas terras para criar reserva ou avanço da área para plantação. Os guaranis, na tentativa de evitar o contato com os juruá, sem espaço de floresta para manter suas aldeias, o modo de ser, foram submetidos ao processo de caminhada forçada, vivendo na margem da rodovia, debaixo da ponte, em reservas comandadas pelo posto indígena. E sofremos também trabalho forçado, o castigo físico. E, pior de tudo, perdemos a nossa cultura e a língua também. Esse é o nosso sofrimento na época da ditadura militar”, expõe o indígena guarani Hélio Fernandes, integrante da Comissão Guarani Yvyrupa.

Conforme o ouvidor da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS), Rodrigo de Medeiros Silva, as violações foram de diversas ordens, como torturas, prisões ilegais, assassinatos, genocídios, estupros, tomada de territórios e expulsão dos indígenas. “Isso está bem detalhado no relatório Figueiredo, em documentos como o a CPI de 1967 da Assembleia Legislativa, a CPI de 1968 do Congresso Nacional, a CPI de 1977 do Congresso Nacional, inclusive também destaca muito o trabalho análogo à escravidão por meio dos arrendamentos, que ainda é um problema até hoje”, afirma.
De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo menos 8.350 indígenas foram mortos durante a ditadura militar, entre os anos de 1964 a 1984, contudo somente 10 etnias foram abordadas pela Comissão. “Existem poucas ações judiciais e pouquíssimos casos na Comissão de Anistia. Está muito aquém do que o Estado brasileiro deveria fazer para a reparação. Além disso, temos a questão do marco temporal que chancela as violações realizadas na ditadura, se essa lei continuar em vigor, e se essa conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) permanecer”, destaca Medeiros.
Direitos indígenas seguem sendo violados
Coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul) Luana Kaingang, lembra que desde 2014 há o pedido de criação de uma comissão específica para investigar as violações sofridas pelos povos originários, o que até hoje não foi concretizado. “Esse pedido é para reparação aos crimes que foram cometidos contra lideranças indígenas no tempo da ditadura, e que a gente sabe que vêm se alastrando até os dias de hoje, essa criminalização perante os nossos líderes que lutam incansavelmente para com que a gente também tenha nossos direitos assegurados.”
Nesse sentido, complementa a coordenadora, essa audiência com a CIDH é importante para que seja exposta essa realidade. “A gente sabe que os direitos indígenas seguem sendo violados. Queremos que o Estado brasileiro tenha essa noção do que foi feito no passado, e vem sendo feito até os dias atuais com as nossas lideranças”.
Demarcação e reparações
Para o ouvidor, é necessário que se faça reparação de diversas maneiras, desde a questão simbólica, como pedidos de desculpas, marcos simbólicos sobre o que ocorreu, até questões mais concretas, indenizações por danos materiais e imateriais. Além de recursos para políticas públicas, como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pnegat).
“Para que os indígenas tenham alternativa, por exemplo, aos arrendamentos de soja, com o resgate do meio ambiente, com alternativas sustentáveis, integradas ao meio ambiente e dentro de sua cultura e de suas escolhas, de como querem seguir. E também é necessário que se destravem as demarcações de terras, que no Brasil ainda têm um grande processo”, conclui.
