Pelo menos 53 famílias estão desabrigadas após uma operação de despejo forçado realizada pelo Governo do Distrito Federal (GDF). O despejo iniciou na segunda-feira (5), no Setor de Chácaras Lúcio Costa — conhecido como Setor de Inflamáveis — localizado próximo à linha do trem, a cerca de 3 km da Estrada Parque Taguatinga (EPTG). A derrubada das moradias afetou diretamente aproximadamente 300 pessoas, das quais cerca de 170 são crianças e adolescentes.
Acionada pelos moradores, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) denunciou que a ação foi realizada sem aviso prévio e sem qualquer tipo de suporte emergencial às famílias — como auxílio-aluguel, alimentação, acolhimento ou proteção social — especialmente para os mais vulneráveis: crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.
Com as casas demolidas, os desabrigados têm sido acolhidos no Templo de Umbanda Caboclo Tupinambá D’Oxum, presente na comunidade desde 2021. O local, que agora também está ameaçado de demolição, se tornou um espaço improvisado para abrigo, alimentação e higiene.
Acolhimento às famílias pela comunidade religiosa

De acordo com a dirigente da casa, Mãe Jéssica d’Osun, o templo tem fornecido estrutura para preparar alimentos, servir de dormitório e oferecer acesso a banheiros. A comunidade católica da Paróquia São José também tem apoiado as ações de solidariedade junto à casa espiritual.
“Os moradores estão querendo moradia digna, e o templo precisa de algum terreno para se realocar e continuar nosso trabalho religioso”, afirma Mãe Jéssica.
Anna Luiza Sayão, moradora do Setor Lúcio Costa e voluntária no templo, relata a situação dramática das famílias: “É realmente desesperador. São muitas famílias com muitas crianças, e agora muitas vão ficar na rua. A tenda Caboclo Tupinambá está colaborando com a igreja católica; todos estão se unindo, independente da religião, para ajudar nessa causa”.
A comunidade de matriz africana, organizada pelo Templo de Umbanda Caboclo Tupinambá D’Oxum, fará uma manifestação nesta quarta-feira (7), às 15h, em frente à Casa Civil do GDF para defender a permanência do espaço no território.
Atuação da CLDF
A operação de derrubada das casas continuou na terça-feira (6). Moradores do local foram recebidos pelo deputado distrital e presidente da CLDF, Wellington Luiz (MDB-DF), pelo deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos, e pelo deputado Gabriel Magno (PT-DF), também integrante da Comissão.
“Hoje estiveram na galeria da Câmara Legislativa as pessoas que foram despejadas da ocupação no Lúcio Costa, famílias que moravam lá há 5, 10, 20, 40 anos e o governo do DF não arrumou uma alternativa”, denunciou Fábio Felix.
O parlamentar expressou preocupação com as crianças desabrigadas em meio à chegada de uma frente fria no DF. “Essas pessoas dormiram, com várias crianças, ao relento esta noite, por causa do despejo praticado pelo governo. E hoje vão dormir novamente, com o frio chegando a 16ºC.”
O que diz o GDF?
Em nota, o GDF informou que Secretaria DF Legal, em março, lavrou mais de 30 intimações demolitórias a responsáveis pelas construções irregulares da região. Dessa forma, não procede a informação de que os ocupantes não sabiam da irregularidade da ocupação e da possibilidade de uma ação demolitória, tendo em vista que a autuação foi desrespeitada.
Já a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) alegou foi ofertado acolhimento institucional, mas as famílias não aceitaram. De acordo com a pasta, foram solicitados ainda benefícios como o Auxílio Vulnerabilidade e o Cartão Prato Cheio às famílias. O Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Guará vai acompanhar os “cidadãos com atendimentos individuais, ainda nesta semana, analisando caso a caso para a concessão dos serviços e benefícios”. Por fim, a Sedes-DF informa que providenciou refeições para o café da manhã, almoço e jantar para todas as famílias até esta sexta-feira (9).
Ações institucionais e apelos por moradia digna
Felix informou que a Comissão de Direitos Humanos acionou a Promotoria de Direitos Humanos, Infância e Juventude, o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública e a 1ª Vara da Infância e Juventude, pedindo providências imediatas.
“É lamentável o que a população do DF está enfrentando em relação ao direito à moradia. Se fosse uma ocupação de pessoas ricas ou de classe média, não haveria despejo — estaria se consolidando como um condomínio. Mas, como se trata de pessoas em extrema vulnerabilidade, estão sendo submetidas a essa situação desumana”, concluiu Felix.
Em ofício encaminhado aos órgãos, o parlamentar solicita:
- Suspensão imediata da ação de derrubada;
- Atuação do Governo Federal;
- Garantia de alimentação, água e atendimento emergencial;
- Acompanhamento jurídico contínuo às famílias;
- Garantia de acesso à escola para crianças e adolescentes;
- Respeito ao funcionamento do Templo de Umbanda Caboclo Tupinambá D’Oxum, que abriga dezenas de pessoas.
Solidariedade e união
Em resposta emergencial, entidades como o Coletivo Mulheres Negras Baobás estão arrecadando doações para compra de alimentos. O sindicato dos Bancários entregou 54 litros de água potável e 150 marmitas. Parlamentares também estão colaborando com a entrega de alimentos e água às famílias.
“O governo não está ajudando, e estamos mobilizando a população por fora para defender e alimentar as famílias. Estamos ficando sem recursos, mas seguimos na luta!”, afirma Anna Sayão, filha de santo do templo.