No estado que figura entre os cinco que mais matam mulheres no Brasil, segundo o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), a escalada da violência de gênero e a ausência de políticas públicas para combatê-la marcaram a audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul nessa quarta-feira (21).
Com críticas contundentes ao governo de Eduardo Leite (PSDB), parlamentares cobraram medidas imediatas de enfrentamento ao feminicídio e encaminharam denúncias à ONU Mulheres e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O governo do estado não enviou representantes.

Audiência pública cobra ações e denuncia omissão do Estado
A reunião resultou em uma série de propostas, entre elas a recriação da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SPM), extinta em 2015, e a priorização de projetos de lei que tratam da proteção às mulheres. Também foi anunciada a realização de uma audiência com o Tribunal de Contas do Estado para discutir o abandono da instalação da Casa da Mulher Brasileira, além da implementação de campanhas educativas sobre a violência de gênero.

Presidente do colegiado e um dos proponentes da audiência, o deputado Adão Pretto Filho (PT) classificou os números da violência contra as mulheres como “estarrecedores” e responsabilizou diretamente o Executivo estadual. “Vivemos uma escalada de violência. E isso tem uma explicação: ausência de Estado, desmonte da rede de proteção e falta de organização. A centralidade desse problema é o governo do estado”, afirmou.
A coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher, deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), destacou que o mês de abril teve um aumento de 1.000% nos casos de feminicídio em relação ao mesmo período de 2024. Segundo dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), foram 11 ocorrências em abril de 2025, contra apenas um no mesmo mês do ano passado.
A deputada denunciou ainda a falta de orçamento, estrutura e protocolos nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) e revelou que apenas 300 das 2 mil tornozeleiras eletrônicas disponíveis estão em uso. “Esse silêncio do governo também é resposta. É a omissão de quem governa há sete anos de costas para as mulheres”, acusou.
Além da ausência de políticas concretas, Rodrigues denunciou que o governo sequer envia representantes para o debate: “Quando o Estado se cala, ele se omite. E quando se omite diante da morte de mulheres, se torna cúmplice”, afirmou. Ela lembrou ainda que a Procuradoria Especial da Mulher, criada em 2015, foi uma tentativa de resistência diante da extinção da SPM, mas que hoje enfrenta limitações severas.
A deputada Stela Farias (PT), uma das responsáveis pela criação da procuradoria, foi ainda mais incisiva ao afirmar que o governo Leite proibiu servidores da Segurança Pública de participarem da audiência. “Isso é boicote, é a institucionalização da mordaça. O governo impõe silêncio diante do massacre das mulheres”, criticou.

A moção aprovada durante a audiência, elaborada pela Procuradoria Especial da Mulher, foi encaminhada à ONU Mulheres, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres. O documento denuncia o aumento de feminicídios no RS, aponta o desmonte da Rede Lilás e pede a reconstrução da rede de proteção com orçamento, equipamentos e pessoal qualificado. A moção também alerta para a ausência de ações efetivas por parte do governo estadual.
Para o deputado Miguel Rossetto (PT), líder da bancada do PT/PCdoB, a postura do governo estadual é “inaceitável” e “conivente”. “O silêncio diante da violência é cumplicidade. A vida das mulheres precisa ser prioridade absoluta desta Casa”, afirmou, defendendo a criação de um bloco parlamentar para impulsionar projetos de enfrentamento à violência de gênero.
A deputada Sofia Cavedon (PT) foi além e sugeriu que o RS seja oficialmente declarado um estado de emergência para as mulheres. “Temos milhares de cartilhas e estudos, mas nenhuma política concreta. Quando negamos a existência dessa violência, apertamos ainda mais as correntes que oprimem as mulheres”, pontuou.
O deputado Jeferson Fernandes (PT) afirmou que o feminicídio é um dos crimes mais difíceis de se combater na medida em que há inclusive um discurso de deboche por parte da sociedade. “Todo mundo já viu aqui algum homem que se apresenta como super macho e diz que se trata de ‘mimimi’ das mulheres a queixa contra a violência. Até autoridades públicas que deveriam agir em proteção ao que está na lei começam a fazer coro a este discurso misógino.”
Outro aspecto abordado foi a crise na Segurança Pública, que resultou recentemente na exoneração do chefe de Polícia, e o colapso da rede de acolhimento. Bruna Rodrigues lembrou que a única Deam 24h em funcionamento atende a apenas um dos 497 municípios gaúchos. “A Casa Violeta, referência no acolhimento, está prestes a encerrar seu contrato. O orçamento da Rede Lilás caiu de R$ 19 milhões para R$ 3 milhões, e o ônibus da rede está sucateado.”
“A morte de Juliana, assassinada em Três Coroas mesmo com medida protetiva, é um retrato cruel do fracasso do Estado em proteger suas mulheres”, disse Rodrigues. “Essa não é uma pauta de esquerda ou direita, é uma pauta da sociedade gaúcha. A pressão vai aumentar. Vamos ser atendidas de qualquer jeito”, concluiu.

Grande Expediente celebra 10 anos da Procuradoria Especial da Mulher
No período do Grande Expediente, durante a tarde, a deputada Bruna Rodrigues usou a tribuna para homenagear os 10 anos da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, destacando a importância do órgão na resistência institucional à ausência de políticas públicas. Em seu discurso, relatou sua trajetória pessoal e reforçou a urgência da pauta. “Minha mãe enfrentou a violência doméstica. Eu poderia ter sido uma das 250 crianças vítimas de feminicídio. Hoje, não se cala mais: em briga de marido e mulher, a gente liga para o 190”, afirmou.
Parlamentares como Delegada Nadine (PSDB), Patrícia Alba (MDB), Eliana Bayer (Republicanos), Stela Farias (PT) e Tiago Cadó (PDT) também se manifestaram em apoio à recriação da SPM e à implementação urgente de medidas para deter o crescimento alarmante da violência contra mulheres no Rio Grande do Sul.
A reportagem procurou o Governo do Estado do RS e aguarda posicionamento sobre as acusações realizadas pelos parlamentares.
* Com informações da Agência de notícias da Assembleia Legislativa.
