Maioria na Assembleia e quase a totalidade de governadores no país. O Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), do presidente Nicolás Maduro, ampliou seu poder e terá uma capacidade ainda maior de desenvolver programas e aprovar o principal projeto do governo para 2026, a reforma constitucional ao eleger 82% dos deputados e 23 de 24 governadores nas eleições regionais venezuelanas.
Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que a vitória do PSUV possibilita ao governo aprofundar mudanças do projeto chavista, incluindo no sistema econômico, na política venezuelana e a consolidação de uma linha ideológica chamada de Revolução Bolivariana pelo ex-presidente Hugo Chávez.
Se por um lado a vitória sedimenta o caminho do governo para conseguir transformar a realidade política e social venezuelana, por outro o presidente Maduro, os governadores e a Assembleia Nacional terão que se equilibrar com uma pressão cada vez mais forte dos Estados Unidos sobre a economia do país caribenho.
O sociólogo e mestre em comunicação política Franco Vielma entende que os resultados eleitorais reforçam a capacidade de o governo venezuelano desenvolver estratégias e elaborar leis que ajudem a respirar em meio a crise.
“Essas eleições consolidam as condições do governo de fortalecer sua governança e incrementar suas ferramentas para o desenvolvimento em meio a uma pressão externa. Consegue manter a coesão para poder construir e abordar sua política. Nos próximos anos dificilmente se verá uma crise institucional, choques de poder e os conflitos que vimos em 2015”, disse ao Brasil de Fato.
De acordo com ele, isso reflete também no atendimento à população. Com aliados em governos estaduais, políticas públicas devem ser sejam articuladas mais facilmente nas diferentes regiões do país. Nos próximos 5 anos, o governo tentará se equilibrar entre amenizar os ataques externos e manter uma política social para os venezuelanos.
Esses projetos foram anunciados pelo presidente Nicolás Maduro durante a celebração dos resultados. Além de reforçar a ideia de uma reforma constitucional a partir de janeiro de 2026, o mandatário também disse que pretende fazer uma “reengenharia eleitoral”, para incluir as comunas e os conselhos comunais, fortalecendo a representação política direta. Esses dois instrumentos foram criados por Chávez e são uma forma de autogestão territorial, política e econômica da população em diferentes bairros.
Reconhecimento da população
Outro fator que reflete o resultado das eleições é entender o percentual de apoio que o governo tem dentro da sociedade venezuelana. Com 42% de participação – o voto na Venezuela é opcional – a eleição deste domingo foi marcada basicamente com a presença de chavistas nas urnas. Para Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, essa parcela da população que foi votar expressou que a política de Maduro e do PSUV tem conseguido atender as demandas da sociedade em um contexto de assédio e pressão “imperialista”, principalmente do governo de Donald Trump nos EUA.
“Não deixa de ser o reconhecimento por parte dos venezuelanos que votaram em relação ao que faz o governo em função dos problemas que temos. Desde 2015 sofremos com um bloqueio que reduziu a capacidade de investimento. Ainda assim, o governo exalta um crescimento econômico constante de 15 trimestres. Isso se reflete nas eleições. Há uma parcela da população que apoia o governo”, disse ao Brasil de Fato.
O governo usou durante a campanha os principais dados econômicos dos últimos meses. Só no primeiro trimestre de 2025, o PIB do país cresceu 9,13%. Este foi o 16º trimestre seguido de alta. Outro dado destacado pelos chavistas foi o aumento da produção petroleira, que agora está em 1 milhão de barris por dia. No entanto, o problema enfrenta agora uma inflação crescente e uma desvalorização da moeda local, o bolívar, que reduziu a capacidade do poder de compra dos venezuelanos.
Abstenção e oposição desmobilizada
O comparecimento de só 42% dos eleitores é explicado por alguns fatores, incluindo o desinteresse histórico pelas eleições regionais. Em 2012, por exemplo, pouco mais da metade dos eleitores votaram (53.94%). Cinco anos depois, a participação foi maior: 61.05%. Em 2021, a oposição também adotou a estratégia de boicotar as eleições e esse número voltou a cair para 42.26%. Essa cifra se repetiu agora.
Outra questão importante foi a campanha pela abstenção feita pelas lideranças de extrema direita. A ex-deputada ultraliberal María Corina Machado foi a principal agente para isso. Ela desestimulou o voto e pediu que as pessoas não fossem às urnas neste domingo. A sua coalizão, Plataforma Unitária, adotou o lema “Eu já votei em 28 de julho”, em referência à data das eleições presidenciais de 2024.
Para o pesquisador e cientista político da Universidade Central da Venezuela, Ociel Lopez, o pleito do ano passado teve também uma incidência direta na participação das eleições de 2025. Ele afirma que, no caso das presidenciais, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) deixou algumas lacunas que influenciaram no ânimo dos venezuelanos para votar.
“Como acontece em todos os ciclos eleitorais de todos os países, as eleições presidenciais condicionam o ambiente das eleições seguintes. A eleição do ano passado teve incidência porque deixou muitas sombras como a questão de um resultado não detalhado do CNE, ataques externos, o site do conselho que segue fora do ar… Tudo isso, assim como a vitória do oficialismo, atravessa e molda o resultado deste domingo”, afirmou ao Brasil de Fato.
Para os analistas, o pedido de abstenção rachou a oposição e impossibilitou qualquer resultado positivo para a direita. Se um lado pedia o boicote, outra ala afirmava que era preciso participar do pleito para tentar ganhar no voto. Foi o caso do ex-governador de Miranda Henrique Capriles. Antes aliado de María Corina, ele agora participou da disputa pela aliança Un Nuevo Tiempo-Unica, que integra a Plataforma Unitária, mas decidiu participar das eleições por entender que seria mais produtivo disputar o voto. Ele foi eleito como deputado.
Outro ponto importante é a falta de projetos dos candidatos da direita. A campanha foi centrada no mote “derrotar o chavismo” e não apresentou um programa próprio de governo. Franco Vielma afirma que isso deixa a direita mais distante do eleitorado.
“A vitória expressiva se dá porque o chavismo participou de maneira contundente, mas a oposição não. O chamado a abstenção ajudou, a desconfiança do sistema eleitoral também atravessa uma grande parte dos opositores, mas esse setor tem candidaturas fracas, dispersas, sem projetos políticos e desarticuladas. Não fizeram uma oferta política, o que não atrai os eleitores da oposição”, disse.
Ociel Lopez concorda com essa tese e entende que a oposição se mostrou “debilitada”, o que faz com que parte da sociedade venezuelana não veja espaço para participar da política. Segundo ele, a política passa a ser vista como um espaço de domínio e não de debate, e isso também foi aproveitado pelo governo.
“O chavismo ganhou em todo o país, mas esse ambiente favorável não se respira nas ruas. Não expressa o sentimento da população. E isso não é responsabilidade só do governo. A abstenção não tem nenhum peso constitucional ou legal. Você pode ter um voto só no país todo e ganhar que está tudo bem. O voto não é obrigatório. Neste cenário, o governo está confortável porque não precisa fazer força para as eleições e a oposição radical nem sequer faz política. Fica simplesmente chamando abstenção, chama insurreição da população, invasão estrangeira, o que é o fim da política por si só”, afirmou.
O governo, no entanto, aproveitou esse vazio de participação e fez o que Vielma chama de “ocupação tática” do terreno e aproveitou as debilidades da oposição. A aposta de María Corina foi pintar um cenário de “vitória narrativa”. A partir da pouca presença de eleitores, o governo seria “descredibilizado”. Mas a campanha de María Corina foi apenas um dos fatores que desestimulou os eleitores de direita. Há também um descrédito construído contra o sistema eleitoral venezuelano desde a eleição presidencial.
Vielma afirma que há uma diferença entre os eleitores que não foram votar porque não confiam no sistema eleitoral e o outro grupo que não votou para atender a um chamado da ultraliberal. Para ele, no entanto, houve uma derrota estratégica da oposição.
“O alcance do chamado de Maria Corina é limitado e a abstenção foi uma derrota para a oposição. A eleição mostrou que a oposição é mais forte quando participa e agora eles perderam um ciclo de 5 anos até o próximo pleito. Isso quer dizer que eles estão fora do debate político. María Corina vai tentar se colocar como vencedora de uma narrativa, mas isso pouco importa de maneira prática. Eles perdem a representação política e agora estão escondidos na desarticulação, na incerteza e à espera de um fator exógeno que não parece que vai aparecer”, concluiu.