Um novo ataque ocorrido dentro do território indígena Nonoai, no norte do Rio Grande do Sul, na semana passada, voltou a trazer aflição à comunidade. Uma pessoa foi morta a tiros e outras duas ficaram feridas na última quinta-feira (22). A comunidade indígena espera por justiça e solução para a situação.
A Terra Indígena de Nonoai, que chegou a ter cerca 34,9 mil hectares, hoje conta com aproximadamente 13 mil hectares e é formada por três aldeias: a Aldeia da Sede, que fica em Nonoai; a Aldeia Bananeiras, localizada no município de Gramado dos Loureiros; e a Aldeia Pinhalzinho, situada no município de Planalto.
De acordo com a Brigada Militar (BM), policiais foram até a terra indígena na quinta-feira após receberem, por telefone, denúncias de que no local acontecia um tiroteio. A vítima é Décio dos Santos Melo, de 28 anos, filho do vice-prefeito de Nonoai, Décimo Pedro de Melo. Há dois feridos: um homem de 30 anos está hospitalizado em Erechim, e uma mulher de 37 foi internada no Hospital de Nonoai.
Escalada do conflito
“O conflito na região começou há algum tempo devido à má distribuição dos recursos provenientes do arrendamento das terras, mas intensificou no dia 27 de fevereiro de 2025, onde a comunidade já cansada da situação se mobilizou para o manifesto”, afirma fonte ouvida pelo Brasil de Fato RS, que pediu para não ser identificada por estar sofrendo ameaças.

Em março deste ano, o acirramento de conflitos na região resultou em 25 casas incendiadas e quatro pessoas feridas, episódio que teria sido causado por dois cacicados que disputam a liderança. Diante da situação, as promotoras de Justiça de Nonoai, Catia Gabriela Bonini, e de Planato, Débora Lopes de Morais, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), atuaram junto ao governo do estado, quando então foi assinada uma portaria que autorizou a Força Nacional a permanecer atuando nos conflitos indígenas da região.
Segundo testemunho repassado ao Brasil de Fato RS, as ameaças começaram por parte do então cacique José Oreste do Nascimento. Ele, juntamente com a família, é acusado de arrendamentos de terras e de uso indevido dos recursos obtidos via financiamentos para plantio de soja. Em 2019, o filho dele e ex-prefeito do município de Gramado dos Loureiros, Erpone Nascimento; e o indígena José Carlos Gabriel, ex-servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), foram condenados a indenizar a comunidade indígena em R$ 4.146.562,40, por terem se apropriado dos valores cobrados por arrendamento de terras a pessoas não indígenas.
“A comunidade encontra-se em choque e assustada, pois o mesmo cacique comandava a comunidade há mais de 40 anos, e se preocupa com a grande influência dele. Os noticiários estão distorcendo os fatos dizendo que foi um conflito, sendo que na verdade foi um ataque, um massacre que iria acontecer”, disse a fonte.
Apelo pelo fim do conflito
Em live realizada pelo canal Abya Yala, nesta segunda-feira (26), o cacique Kaingang Luiz Salvador afirmou que o maior problema é o agronegócio dentro do território. “Queremos que a Justiça tome as medidas cabíveis. Estamos perdendo a nossa cultura através da soja, do arrendamento. Hoje não tem aula nas escolas, não tem atendimento da saúde. Hoje existe uma quadrilha que atua contra povos indígenas, facção que está dentro do território. Já fiz documento e enviei para o estado para que tenha segurança na terra indígena de Nonoai. Está complicado a situação na região.”
Durante a live, o indígena Setembrino Jacinto relatou que, quando se trata de Nonoai, a Justiça vê como uma situação interna e diz que tem que ser resolvida entre a comunidade. “Não temos retorno da Justiça, não sei como está o andamento dos processos, e a violência vai se agravando, não temos segurança. A gente espera que a Funai intermedie para que isso cesse.”
Ao Brasil de Fato RS, a promotora Catia Gabriela Bonini explica que a atuação mais direta em relação ao conflito é de competência constitucional do Ministério Público Federal, inclusive quanto a possíveis repercussões criminais e construção de diálogo para resolução pacífica. “Quanto ao conflito dos últimos dias, a atuação do MPRS em Nonoai tem sido no sentido de acompanhar a situação junto às autoridades policiais locais e se colocar à disposição caso surja alguma demanda relativa à competência do MP estadual (área de proteção à infância e juventude e vulneráveis), considerando os reflexos do conflito na população indígena em geral.”
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da Região Sul do Brasil, em nota, enfatizou que a situação é gravíssima e que as lideranças indígenas da região temem represálias contra a comunidade. “Estamos acompanhando a situação e em permanente contato com lideranças que acompanham a situação no território. É importante a mobilização das forças policiais federais visando conter possíveis represálias e mais mortes violentas.”
A coordenadora da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Inês de Freitas, informou que a entidade vem acompanhando e intermediando conciliações entre Ministério Público e Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Segundo ela, a Funai tem pedido reforço para segurança pública no local, tanto da Força Nacional quanto da Brigada Militar. Ainda de acordo com Freitas, todas a medidas cabíveis dentro das atribuições do órgão estão sendo tomadas.
Sobre o ataque recente
O Brasil de Fato RS entrou em contato com assessoria de imprensa da Polícia Federal (PF). De acordo com informações repassadas pela Delegacia de Passo Fundo, à qual pertence a circunscrição de Nonoai à PF, divergências internas no território eclodiram no mês de março, quando parte da comunidade indígena da Aldeia Sede declarou a “independência” do setor, apontando novo cacique indígena, o que gerou descontentamento do então cacique da TI de Nonoai.
“Nos dias 17 e 18 de março deste ano correligionários do novo cacique dissidente iniciaram ataques e expulsões de adeptos do cacique oficial, os quais ainda residiam na Aldeia Sede e se recusavam a apoiar a ‘independência’ da área. Em represália, na data de 22 de maio, novos ataques foram realizados na Aldeia Sede. Nesse cenário, iniciou-se um princípio de conflito indígena entre os dois grupos rivais pelo domínio da Aldeia Sede, o que desaguou nas condutas ilícitas investigadas em cinco expedientes policiais, envolvendo as práticas de crimes de homicídio, tentativa de homicídio, incêndio, constituição de milícias privadas, e outros”, aponta nota enviada à redação.
A PF ressalta que vem empregando diversas diligências investigativas e de ordem policial a fim de apurar os crimes perpetrados no conflito indígena, permitindo a responsabilização dos envolvidos na seara criminal. “Outrossim, o policiamento ostensivo na Terra Indígena foi reforçado pela Força Nacional e Batalhão de Choque da Polícia Militar, presentes no local, para manutenção da segurança da área.”
O Brasil de Fato RS também procurou o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério Público Federal e a prefeitura de Nonoai. O espaço segue aberto para manifestação.
