No primeiro encontro nacional do Movimento dos Atingidos por Renováveis (MAR), realizado em Lagoa Seca (PB) no fim de maio, a Bahia esteve representada por quem mais entende das dificuldades de viver em áreas marcadas pela cobiça do capital internacional: as comunidades.
É sabido que a nova menina dos olhos do governo federal e do governo da Bahia são as fontes de energia renovável brasileiras, notadamente os ventos e o sol, cada vez mais desejados pelas empresas internacionais de exploração das energias eólica e solar. Megaempreendimentos não param de aportar em nossa terra brasilis e, tal qual nos primórdios da colonização, chegam para destruir e dizimar tudo o que estiver atrapalhando o tão almejado “desenvolvimento”, agora pintado de “verde”.
Os números chegam a ser assustadores. De acordo com o portal da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na página que acompanha a expansão da oferta de energia, apenas na Bahia estão em operação 903 usinas de geração elétrica por meio das renováveis eólica e solar. Esse número pode chegar a quase 25 mil, de acordo com as previsões do acompanhamento.
E as comunidades, o meio ambiente, os povos tradicionais e os modos de vida e economia que sustentam as populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas, de fecho/fundo de pasto e da agricultura familiar, que também responde por 70% da comida dos nossos pratos, estão sendo continuamente ignorados nessa nova ordem.

Por isso, entre os dias 23 e 25 de maio, o nordeste brasileiro mostrou a sua força de articulação ao reunir sete estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte) e 79 organizações para criar o diálogo que deveria estar sendo proposto pelos governantes e decidir o que será feito com os territórios diante da fúria dos empreendimentos de energia renovável.
Sob o lema “Em defesa de um modelo energético justo e popular”, o encontro buscou promover o debate público sobre todas essas questões, especialmente no que diz respeito à enorme lacuna que existe entre a forma colonialista que está sendo praticada nas tratativas das grandes empresas e uma transição energética justa, que não coloque comunidades inteiras como zona de sacrifício.
“Eu vejo a história da colonização se repetir”
O encontro representa uma iniciativa inédita, que vinha sendo sonhada pelo coletivo e que buscou dar voz às comunidades afetadas em seus relatos de perda de território, degradação ambiental, rachaduras e comprometimento das estruturas das casas e edificações, doenças – inclusive psicológicas – pelo ruído das torres eólicas, e a perda das fontes de renda que advêm das formas de trabalho rurais e pesqueiras.
Não sendo meras queixas, os depoimentos prestados pelas comunidades trataram também de casos de perseguição, violação de direitos humanos, provocação de atritos entre os membros das comunidades, disseminação de informações falsas, entre diversas outras questões a que as comunidades são expostas quando recebem as investidas das empresas.
Sara Payayá vive em Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina (BA), e ao se referir ao processo de expansão das empresas de energia, comparou o momento do nordeste ao processo colonialista vivido no Brasil, com populações dizimadas e mulheres violentadas.
“Eu vejo a história da colonização se repetir, com nossas mulheres sendo ludibriadas pelos homens que chegam com estes empreendimentos como novas formas de estupro”, lamenta. Em relação aos patrimônios imateriais e culturais das comunidades, Sara se coloca em defesa das pinturas rupestres que estão nas serras do território. “Cada torre instalada sobre estas inscrições destroem um pedaço de nossa história”, completa.

Além de Sara, moradores de Seabra, Senhor do Bonfim, Jaguarari, Jacobina e Juazeiro fizeram parte da delegação baiana e trouxeram suas contribuições em depoimentos, cantos, rezos e uma motivação ímpar para seguir fortalecendo o movimento em prol da soberania das comunidades e da justiça energética. Muitos já passaram pelo processo de implantação e puderam relatar quais foram os impactos nas populações afetadas e outros puderam se informar melhor sobre o que significam esses empreendimentos em comunidades como as suas.
Originada de uma pequena comunidade no território de Irecê, Lucicleide Marques afirma que a experiência a fez sentir como uma multiplicadora do fortalecimento da resistência, a partir das parcerias e aprendizados estabelecidos. “Contribuiu grandemente para o meio ambiente na assistência e no acompanhamento das comunidades tradicionais”, afirma.
Após reunir em torno de 80 instituições e organizações sociais e populares e, no esteio de movimentos já consolidados como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o MAR segue consolidado, com uma coordenação em formação, e a Bahia segue caminhando junto para a construção de alternativas para a criação de políticas públicas de inclusão dos afetados e possíveis afetados, além de programas de reparação de danos.
*Ananda Azevedo é comunicadora e colabora com o Observatório dos Conflitos Ambientais da Chapada Diamantina (OCA)
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.