O primeiro dia de depoimento dos réus na ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, nesta segunda-feira (9), foi tomado pela oitiva do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, que é colaborador da Justiça.
Após os questionamentos do ministro relator, Alexandre de Moraes, em que Cid confirmou os detalhes do plano de golpe, foi dado às defesas o direito de fazer questionamentos que podem ajudar na tese de inocência ou atenuar os crimes imputados aos réus.
Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, iniciou seu tempo de perguntas questionando Cid sobre sua função como ajudante de ordens do ex-presidente.
“Basicamente, o ajudante de ordens deveria atender a necessidade do presidente de maneira direta, imediata, permanente, ininterrupta. Então, tudo a toda hora. E para isso nós tínhamos uma equipe com torno de 32 civis e militares, na qual eu era o chefe”, disse Mauro Cid.
Em seguida, Cid negou que ele ou o ex-presidente Jair Bolsonaro tivessem conhecimento de alguma informação antecipada sobre o 8 de janeiro.
O advogado de Bolsonaro buscou maneiras de fazer com que Cid, ainda que indiretamente, inocentasse o ex-presidente.
“‘Se não houvesse fraude não haveria nada’. Isso foi dito pelo presidente Jair Bolsonaro?”, questionou Vilardi. Cid negou que Bolsonaro tenha dito isso e consentiu que ouviu do ex-presidente que “só agiria dentro das quatro linhas da Constituição”.
O advogado de Bolsonaro partiu então para tentar desqualificar a delação de Cid, questionando-o sobre o vazamento de informações sobre o conteúdo do depoimento por meio de grupos de mensagens, perfis em redes sociais ou em conversas com jornalistas. “Todos os meus celulares foram apreendidos pela Polícia Federal”, respondeu o tenente-coronel, negando o vazamento de informações sobre a delação.
Em dado momento, Vilardi questionou se ouviu do ex-presidente Jair Bolsonaro ordem para mobilizar os acampamentos em frente aos quartéis. Antes da resposta do delator, o ministro Alexandre de Moraes agregou à pergunta. “Ouviu se ele disse para manter o que estava?”, perguntou o ministro.
“Ele [Bolsonaro] nunca mobilizou e nunca mandou embora. Ele dizia: ‘Não fui eu que mobilizei, não sou eu que vou mandar embora’”, respondeu Cid.
Defesa de Braga Netto
José Luis de Oliveira Lima, advogado do ex-ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro, o general Walter Braga Netto, que segue preso, questionou Cid porque ele levou cerca de um ano e meio para trazer à tona a informação sobre o repasse de recursos do general aos manifestantes. Nesse sentido, Cid argumentou que não tinha visto ilegalidade na entrega dos recursos.
“Naquele contexto das manifestações nos quartéis, muita gente vindo, muita gente apoiando, eu não vi ali nada demais”, respondeu Mauro Cid. “Eu não vi naquele momento nenhuma hipótese criminal naquele momento”, contestou o tenente-coronel sobre não ter prestado a informação nos primeiros depoimentos prestados à Polícia Federal.
Em relação à entrega de uma sacola com os recursos, Lima chegou a indagar Cid se o pacote de dinheiro não havia sido um empresário do agronegócio, o que foi rejeitado pelo delator. Por outro lado, Cid confirmou que recebeu das mãos de Braga Netto, no Palácio do Alvorada, os recursos em questão.
Ainda em resposta ao advogado, Cid negou que tenha ouvido qualquer conversa sobre a prisão ou execução de autoridades em conversas com o general Braga Netto.
Outros questionamentos
O advogado Cézar Bittencourt questionou o próprio cliente se o presidente Jair Bolsonaro havia manifestado o desejo de se manter no poder depois dos resultados das urnas. “A grande preocupação do presidente era encontrar fraude nas urnas. Então ele sempre buscou uma fraude nas urnas”, respondeu o tenente-coronel.
Em seguida, Demóstenes Torres, advogado de Almir Garnier, questionou Cid sobre a classificação feita por ele, em depoimento, de grupos por níveis de radicalização diante da estratégia de golpe, entre os quais havia um de perfil conservador, outro moderado e um terceiro radical. Especificamente, perguntou ao ex-ajudante de ordens se havia citado o almirante Garnier pertencendo ao suposto grupo radical. “A divisão dos grupos foi na minha cabeça, para facilitar a ideia”, respondeu Cid. “Mas foi citado, sim ou não”. “Sim”, retrucou o delator.
Próximos a depor
Finalizada a oitiva de Cid, os demais depoimentos passam a ser colhidos seguindo a ordem alfabética. A expectativa é que o ex-presidente Jair Bolsonaro preste depoimento entre quarta(11) e quinta-feira (12). Já o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto, último a depor, será ouvido via videoconferência, por estar preso no Rio de Janeiro.
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
De acordo com o Código de Processo Penal, exceto em casos de colaboradores, é garantido aos réus o direito de permanecer calado durante o interrogatório.

Os depoimentos, que são parte da fase de instrução do processo, vão até a próxima sexta-feira (13) e são transmitidos ao vivo pela TV Justiça e pelo canal oficial do STF no Youtube.