Cerca de dez mil pessoas, em sua maioria moradoras de favelas e ocupações, tomaram as ruas do Centro de São Paulo nesta quarta-feira (11) em um ato unificado de movimentos populares contra a violência policial e pela suspensão de despejos. Nos cálculos da Campanha Despejo Zero, que reúne mais de 100 organizações, cerca de meio milhão de pessoas vive na iminência de perder suas moradias no estado de São Paulo.
A manifestação convocada pela Campanha Despejo Zero saiu da praça da República e fez paradas na prefeitura de Ricardo Nunes (MDB), na secretaria de segurança pública do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), no Ministério Público e no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em cada uma das instituições foi entregue um ofício exigindo, segundo os organizadores do ato, “respostas efetivas das autoridades e o fim das práticas higienistas que removem moradores sem sequer garantir alternativas adequadas”.
“A gente precisa paralisar os despejos administrativos. E no caso dos despejos judiciais, a Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-SP não pode só agendar os despejos, não pode só fingir que faz uma negociação. Precisamos que de fato façam a solução dos conflitos, garantindo o direito à moradia“, ressalta Benedito Barbosa, da União de Movimentos de Moradia (UMM).

“A serviço das grandes construtoras e da especulação imobiliária, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito Ricardo Nunes têm promovido despejos verdadeiramente violentos em São Paulo. Dezenas de ocupações estão ameaçadas de, nas próximas semanas, serem alvo de investidas policiais para remoção violenta e sem alternativa habitacional”, pontua Felipe Vono, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Lidi Ferreira vive em uma dessas comunidades. Cerca de 4.500 famílias que moram no Jardim Pantanal, na zona Leste da capital paulista, foram surpreendidas com o anúncio, em maio, de que serão removidas para dar lugar a uma obra da administração municipal contra alagamentos. “Estamos apreensivos, sem respostas conclusivas da prefeitura. Estamos inseguros sobre o que pode acontecer nas próximas semanas”, explica Lidi. “A gente resolveu se juntar ao ato de hoje, porque não é só o Jardim Pantanal que está passando por isso”, afirma.
Maioria de mulheres negras ameaçadas de despejo
O mapeamento colaborativo da Campanha Despejo Zero SP aponta que existem atualmente 126 mil famílias com ameaça de despejo em todo o estado. Deste montante, que representa cerca de 500 mil pessoas, 334.152 são negras, 315.504 são mulheres, 86.184 são crianças e 84.682 são idosas.

Aline Ravena, moradora da Ocupação dos Queixadas, organizada pelo Movimento Luta Popular em Cajamar (SP), faz parte da estatística de maioria de mulheres negras que lutam para não perder o teto. O processo judicial de reintegração de posse do terreno particular que após 19 anos abandonado, abriga atualmente cerca de 100 famílias, está na etapa final.
“Estamos aqui para lutar pela suspensão de todos os despejos. Não temos condições de pagar aluguel, querem tirar a gente sem dar nenhuma saída. Nos encontramos em uma situação desesperadora. A maioria das mães da Ocupação dos Queixadas são mães solo, então a gente não sabe mais o que fazer. Estamos aqui para lutar pelo despejo zero”, descreve Aline.
Campanha Despejo Zero se rearticula em SP
Formada em 2020 para impedir as remoções durante a pandemia de covid-19, a Campanha Despejo Zero se rearticulou em São Paulo em maio a partir do apoio à Favela do Moinho, a última remanescente do Centro de São Paulo. A mobilização dos moradores interrompeu um processo de remoção forçada da gestão Tarcísio que incluía terem de pagar novos imóveis em parcelas que comprometiam 20% dos seus salários por 30 anos.
Após protestos e a repercussão negativa de seguidos episódios de violência policial, residentes do Moinho arrancaram um acordo para que os governos estadual e federal (este último proprietário da área) subsidiem as novas moradias com um aporte de R$ 250 mil cada.
A opressão policial na Favela do Moinho, no entanto, não cessou. Enquanto o ato por despejo zero se aproximava da secretaria comandada pelo ex-policial da Rota Guilherme Derrite, moradores relatavam em grupos de Whatsapp estarem sendo abordados pela Polícia Civil dentro do Moinho.
“Com a resistência na Favela do Moinho houve um sentimento geral das ocupações de São Paulo, em função dos despejos que estão acontecendo, de a gente retomar a mobilização unificada”, relata Dito Barbosa.
Uma reunião com representantes de mais de 30 comunidades no último 21 de maio deu um novo gás para a Campanha Despejo Zero SP, onde foi feito um diagnóstico de que há uma nova onda de remoções em curso e uma intensificação da violência estatal praticada pelas guardas civis municipais (GCM) e a Polícia Militar (PM).
O protesto desta quarta (11), bem como bloqueios simultâneos de avenidas, linhas de trem e da marginal Pinheiros no último 26 de maio, dão a largada para uma jornada de mobilizações que, segundo os movimentos, deve se intensificar no próximo período.
Entre as entidades que fazem parte da articulação estão o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a UMM, o Movimento Luta Popular, a Federação das Associações Comunitárias de São Paulo (Facesp), Central de Movimentos Populares (CMP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
Também participaram do protesto familiares de vítimas da violência de Estado e trabalhadores ambulantes do bairro do Brás. Estes últimos lançaram, no último 2 de junho, uma campanha pelo fim da Operação Delegada, convênio em que a prefeitura contrata PMs de folga para atuar contra o comércio popular na região central.
Entre parlamentares, estiveram presentes as deputadas estaduais Ediane Maria (Psol), Mônica Seixas (Psol), Paula Nunes (Psol) e Eduardo Suplicy (PT) e as vereadoras Luana Alves (Psol), Amanda Paschoal (Psol), Nabil Bonduki (PT) e Hélio Rodrigues (PT).