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São João: historiador destaca a importância das festas juninas na cultura brasileira

Festejo foi trazido ao Brasil pelos portugueses, mas incorporou elementos da cultura indígena e africana

No Brasil, o mês de junho é marcado por festejos que celebram os santos e mantêm vivas as tradições populares, em especial no Nordeste brasileiro, mas que alcançam os interiores e têm dimensões nacionais. Nesta terça-feira (24), comemoramos o dia de São João e, em entrevista ao Conversa Bem Viver, o historiador Manoel Passos discute sobre os elementos que constituem essa festividade no país. 

Ele destaca que as celebrações têm valor cultural, econômico e histórico, além de carregarem em si as marcas da formação social brasileira. “É algo que mexe na nossa vida, uma festividade extraordinária em todos os sentidos, econômico, cultural e histórico. O povo ainda é o principal elemento da nossa festa junina.”

A primeira festa junina aconteceu no Brasil no fim do século 16, trazida ao território pelos portugueses. Mas, chegando aqui, a manifestação cultural foi incorporando elementos da cultura indígena e africana, que se manifestam na culinária, na música e até na vestimenta. 

Dessa síntese, para Passos, surgiu uma expressão cultural com características únicas. 

“A quadrilha junina veio da França, mas, quando chega aqui, se adapta e, ao invés de ‘anarriê’, criam-se outros comandos adaptados à realidade brasileira, como “olha a cobra, olha a chuva”. Essa mistura é de uma riqueza extraordinária e é um produto turístico que movimenta a economia”, analisa.

Na conversa, Passos também fala sobre o seu lançamento mais recente, o livro O Processo de Independência do Brasil no Recôncavo Baiano, disponível pela editora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

Confira a entrevista completa:

A principal origem das festas juninas vem da Europa. Trazida para o Brasil pela colonização portuguesa, a manifestação cultural incorporou elementos da cultura indígena e africana, tornando-se única. Como podemos perceber essas características incorporadas, por exemplo, na culinária?

Eu passei recentemente um São João em Porto, em Portugal. Eles dizem que o melhor São Antônio é o de Lisboa e o melhor São João é o do Porto. As características são bastante diferentes.

O mês de junho tem três grandes santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. São João talvez seja o de maior sucesso aqui no Brasil. Então, em território brasileiro, a festa se adaptou à realidade do país.

O São João é muito mais comemorado na região do Nordeste do que nas demais regiões do Brasil. Não é que as outras regiões não festejem. A mídia tenta vender Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) como as maiores festas. Tenta criar uma disputa. E aí, me perguntam: qual é o maior São João do Brasil? A Bahia, por exemplo, foi por outra via e o São João é do estado. São mais de 300 municípios festejando. 

No governo Vargas, quando Domingos Leonelli foi secretário de turismo, teve uma ideia genial de vender o São João da Bahia. E, mesmo ali, há distinções. O São João de Cruz das Almas tem uma característica, Bonfim tem outra, Cachoeira tem outra, e assim por diante. Cada município tem uma determinada característica. 

Agora, o padrão, por exemplo, quando você chega na região do sertão, do semiárido, é ser o quentão a bebida típica. Enquanto na região mais litorânea, é o licor, especialmente os licores de jenipapo e de maracujá. 

Cachoeira se distinguiu como o maior fabricante de licor do Brasil. As pessoas vão inclusive para revender para tudo quanto é lugar e criaram uma variedade de sabores enorme, além dos tradicionais, como café, tamarindo, caju, cajá, coco, etc. 

Existem também os elementos super tradicionais. A gente tem, por exemplo, o milho e o amendoim, que são produtos tipicamente juninos. O milho é um vegetal nativo das Américas. O México comemora todos os anos o Festival do Milho e tem uma variedade grande. No Peru também.  

Nas nossas comemorações, o milho é cozido ou assado. A gente faz canjica, pamonha, mingau, etc. Ou seja, deriva em produtos mais tradicionais. A canjica e a pamonha são fundamentais no São João. 

O amendoim é cozido e comido acompanhando o licor. O amendoim cozido, e não assado, é uma característica muito específica também da região Nordeste. São esses produtos que ajudam a celebrar essas festividades. 

Também tem o queijo,  que a gente chama de queijo do reino, aquele queijo tipo cuia, que vem da Península Ibérica.

Você citou exemplos que permitem perceber a fusão das culturas portuguesa, indígena e afro-brasileira nas festas juninas. Em que mais podemos perceber as características dessas três culturas básicas de formação do Brasil?

O forró, por exemplo, veio da Europa também, mas se adaptou, especialmente no Nordeste. Uma contribuição imensa da cultura afro é o samba junino. Em Salvador, na Bahia, a maioria dos bairros comemora com samba junino. É um gênero musical típico dessa época. 

Agora, sobre o forró, a gente também está falando do povo originário. O “arrastapé” é uma característica indígena. Eles arrastam os pés nas danças deles. O cultivo da mandioca, que produz o bolo de aipim, por exemplo, é uma herança também indígena, assim como o milho. 

Tem um livro do Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, onde ele teoriza sobre o Brasil e ele fala da mandioca, que seria um tubérculo venenoso. Ou seja, tem todo um processo químico necessário para você tornar ele comestível. São mais ou menos cinco páginas do livro descrevendo esse processo. 

A quadrilha junina veio da França com um pouco da Holanda, mas, quando chega aqui, se adapta e, ao invés de “anarriê”, criam-se outros comandos adaptados à realidade brasileira, como “olha a cobra, olha a chuva”. 

Essa mistura é de uma riqueza extraordinária e é um produto turístico que movimenta a economia. O Carnaval da Bahia, por exemplo, é uma das maiores festas públicas do planeta, que envolve muita gente, mas o São João reúne mais gente e gera mais riqueza, porque acontece em todos os lugares, as pessoas se deslocam mais, também se vendem mais produtos. A economia realmente aquece.

Quando pensamos na culinária das festas juninas, há também uma relação com o período de colheita, em especial na Europa. Ainda é forte essa conexão entre a festa junina e o momento de fartura, mudança e  virada?

Não há dúvida nenhuma. As pessoas se preparam para alguns festejos que são marcantes no calendário cultural e turístico, como o Carnaval e o São João. São dois festejos que mobilizam as pessoas e as famílias. 

Por exemplo, quando chega o São João, as cidades tradicionais que festejam não têm rede hoteleira tão grande, mas ela é logo ocupada. Então, o que fazem? As pessoas criam uma rede extra, começam a alugar quartos, casas, etc. 

Isso gera uma economia extra fundamental que permite à pessoa sobreviver melhor o restante do ano. Então, é uma festa que marca as vidas das pessoas.  Eu me lembro de quando era criança e como aguardava o São João. É algo que mexe na nossa vida, uma festividade extraordinária em todos os sentidos, econômico, cultural e histórico. 

Faz parte da história. Por exemplo, no São João no Porto, a comida típica é a sardinha assada. Quando chega essa época, se falta a sardinha, as pessoas especulam e o preço sobe. O céu fica carregado de balões. É uma coisa muito bonita. 

Outra coisa característica do Porto são aqueles martelinhos de plástico. A pessoa fica batendo um na cabeça do outro. Antigamente, era com o alho poró. Então, é uma forma também de sociabilidade. É um aglomerado de pessoas. Lembra muito a festa de ano novo em Copacabana. Quando chega meia noite há a queima de fogos. 

No Brasil, é uma festa tipicamente caipira. É a festa do tabaréu, do camponês, rural. As pessoas usam calça jeans, pregam uns retalhinhos, decoram a vestimenta, que, geralmente, é quadriculada. Há toda uma indumentária típica do período dos festejos. 

O primeiro registro de uma festa junina no Brasil data do fim do século 16, cerca de 80 anos depois da invasão europeia. Entre 1585 e 1590, o jesuíta português Fernão Cardim afirmou que, aqui, a celebração seria “tomada” pelos indígenas. Ele dizia que o São João era a festa que as comunidades mais gostavam.  Atualmente, em alguns lugares, a festa tem se elitizado. Mas, na sua avaliação, ainda existe o componente popular?

O povo ainda é o principal elemento da nossa festa junina. Eu sou oriundo do Recôncavo Baiano, onde, na véspera da festa junina, as famílias se organizam, fazem canjica, cozinham amendoim, fazem bolo de aipim, etc, e ficam aguardando as pessoas, os amigos. Quando chegam, perguntam “São João passou por aí?”. Quando escutam a resposta “passou”, entram, bebem licor, comem, saem e vão para outra casa. As pessoas ficam circulando. Eu fiz muito isso na minha adolescência, ficar de casa em casa. E isso ainda existe. 

Mas há também cidades que organizam grandes festas, contratam cantores caríssimos e armam barracas ao redor que vendem cerveja. O típico deixa de ser protagonista. É uma atividade muito comercial. Os hotéis enchem, as pessoas alugam casa e a economia circula, mas perde o lado popular.

Mas as prefeituras que não organizam o São João com esse modelo mantêm a tradição. Eu vejo, por exemplo, a cidade de Maragogipe, onde as pessoas organizam blocos, compram camisa da mesma cor,  saem cantando e tocando as músicas juninas e entrando de casa em casa.

A fogueira também é um elemento super tradicional nesse período. A fogueira foi uma promessa de Maria com Isabel, que é a mãe de São João Batista. Ela prometeu a Maria que, quando João nascesse, ela acenderia uma fogueira no alto. E isso foi feito. 

O Estado de Portugal surgiu mais ou menos no século 12. Mas, já no século 11, encontraram registro da comemoração do São João lá. Eles trouxeram esses santos para cá e se popularizaram aqui. Junho é um mês cheio de festividades. 

Você também pesquisa sobre outras áreas e, recentemente, lançou a segunda edição do livro O Processo de Independência do Brasil no Recôncavo Baiano. Quais são as principais ideias da obra?

Eu acho que a verdadeira independência do Brasil ocorreu na Bahia. Lá existia um imenso contingente de portugueses, que tinham experiência armamentista em guerra e eram bem formados. Nós não tínhamos nem exército. A origem do exército é na Bahia. Foi aquela coisa meio improvisada, com contratação de alguns mercenários. Esse processo formou o que a gente chama de exército.

Eclodiram diversos pelotões em todo o interior da Bahia. Em Cachoeira, surgiram pelo menos uns 10 pelotões. Não havia um comando único. Então, era necessário centralizar essa luta. Daí, foi criado em Cachoeira, que é a capital da rebeldia. A luta armada levou um ano e a gente comemora a data magna da Bahia, o 2 de julho.

A guerra foi iniciada em Cachoeira em 25 de junho de 1822 e terminou em 2 de julho de 1823, com a retirada dos portugueses. Então, todos os anos a data é lembrada. Hoje, é um festejo super popular, do caboclo e da cabocla, que simboliza a brasilidade. É uma festa super bonita na qual a gente festeja a independência do Brasil na Bahia. Eu denominei o livro com “no Recôncavo”, porque foi a região que se organizou.  O Brasil saiu vitorioso e conseguiu manter a unidade territorial do Brasil.

Conversa Bem Viver

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