Recomeça nesta quarta-feira (25) o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidirá a responsabilização de plataformas de mídias sociais sobre conteúdo ilegal publicado por usuários. O tribunal já tem maioria a favor da responsabilização das empresas.
A discussão foi pausada em 11 de junho, após o voto de Alexandre de Moraes. Até o momento, se manifestaram favoravelmente a responsabilização das plataformas os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Flavio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. André Mendonça votou contra a responsabilização das empresas, alegando que a atual composição do Marco Civil da Internet dá conta da responsabilidade das plataformas sobre o conteúdo de terceiros.
A discussão surge por dois recursos de decisões de instâncias inferiores que se baseiam no artigo 19 do Marco Civil da Internet. O trecho da lei define que, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos causados pelo conteúdo postado por usuários “se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo”.
Com exceção de Mendonça, único voto vencido até o momento, os demais ministros se dividem em dois grupos: Luiz Fux, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes consideram o artigo 19 do Marco Civil da Internet inconstitucional, o que é parcialmente seguido por Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, que consideram o trecho apenas parcialmente constitucional. Para este segundo grupo, o artigo 19 deveria manter sua utilização apenas em casos de publicações que atentem contra a honra – casos mais subjetivos, como calúnia e difamação, que deveriam ser interpretados pela Justiça. Nos demais casos de publicações com conteúdo criminoso ou ilegal, para o grupo, deveria ser aplicado o artigo 21 do Marco Civil da Internet.
Nele, que se aplica atualmente apenas a casos de conteúdo de nudez ou pornográficos publicados sem o consentimento do participante, o texto prevê que a exclusão deve ser realizada após a notificação da pessoa afetada ou de seu representante, sem necessidade de decisão judicial nesse sentido, sob pena de responsabilização subsidiária da plataforma. Se aprovada essa tese, este deverá ser o comportamento padrão para qualquer situação, com uma denúncia bastando à remoção do conteúdo.
A matéria em julgamento é de repercussão geral e a decisão a ser tomada pelo tribunal criará uma tese vinculante, o que significa que todos os tribunais do país deverão seguir o que o Supremo decidir. Ainda não há, no entanto, consenso sobre o que deverá ser seguido.
Como pensa cada ministro
A única certeza até o momento é que a legislação sobre o tema mudará. Ministros divergem sobre a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, a atuação passiva ou ativa das companhias, a penalização e quem deve fiscalizar. Veja abaixo os principais pontos dos votos de cada ministro até agora, por ordem de votação.
Dias Toffoli – É relator de um dos recursos que originaram discussão. Votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e pela ampliação do artigo 21, pedindo remoção de conteúdos após notificação simples às plataformas. O ministro defende que plataformas devem atuar ativamente, sem necessidade de notificação judicial ou de usuários, em casos como racismo, terrorismo e divulgação ou promoção de suicídio.
Luiz Fux – É relator de um dos recursos que originaram discussão. Votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e pela ampliação do artigo 21. Propõe inversão do ônus em casos de crimes contra a honra – isto é, uma notificação simples deverá ser o suficiente para tirar do ar o conteúdo; caso se queira que o conteúdo volte ao ar, aí, sim, o caso deverá ir à Justiça. O ministro defende que plataformas devem atuar ativamente, sem necessidade de notificação judicial ou de usuários, em casos de discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia a golpes ou rompimentos com o Estado Democrático de Direito.
Luis Roberto Barroso – Considera o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente constitucional e reforça a necessidade do dever de cuidado das plataformas. Para casos que envolvam crime contra a honra, propõe que caminho para remoção deva seguir sendo via decisão judicial. Ministro pontua que plataformas tenham proatividade para reduzir riscos sistêmicos e garantir ambiente livre de conteúdos gravemente nocivos.
André Mendonça – Único voto vencido até o momento, o ministro defendeu a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet e apontou que mudança pode degradar liberdade de expressão em ambientes virtuais. Mendonça propõe a manutenção da lei como está, com remoção de conteúdos exclusivamente via decisão judicial, salvo em caso de nudez ou pornografia não consentida, e aponta inconstitucionalidade na remoção de perfis das plataformas, exceto os sabidamente falsos.
Flávio Dino – Considera o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente constitucional e reforça a necessidade do dever de cuidado das plataformas. Para casos que envolvam crime contra a honra, propõe que caminho para remoção deva seguir sendo via decisão judicial. O ministro pontua que plataformas tenham proatividade para reduzir riscos sistêmicos e impedir crimes contra crianças, suicídio, terrorismo e ameaças ao Estado Democrático de Direito. Dino propõe responsabilização às plataformas para crimes causados por perfis anônimos, por robôs ou em publicações com impulsionamento pago, além de excluir da nova medida organizações jornalísticas.
Cristiano Zanin – Considera o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente constitucional, ressaltando uma diferenciação na responsabilização de empresas entre conteúdos que são claramente criminosos e conteúdos que possuem margem para dúvida. No rol de crimes contra a honra, Zanin também propõe diferenciação, argumentando que publicações com dolo claro devem ser retiradas sem necessidade de decisão judicial, ao passo em que as plataformas poderiam aguardar decisão sobre publicações em que houver “dúvida legítima”.
Gilmar Mendes – Considera o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente constitucional e propõe que artigo 19 siga sendo utilizado para crimes contra a honra. Aponta que conteúdos impulsionados ou pagos devam gerar responsabilização presumida das plataformas.
Alexandre de Moraes – Considera o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente constitucional e equipara plataformas a empresas de mídia, sendo responsáveis pelo conteúdo que divulgam. Reforça a necessidade do dever de cuidado para conteúdo antidemocrático, discurso de ódio, crimes graves e ataques ao sistema eleitoral. Propõe que plataformas tenham representação no Brasil.
“Discurso de liberdade de expressão é uma forma de tentar impedir regulação”
Em defesa realizada no início do julgamento, representantes das plataformas argumentaram pela manutenção do Marco Civil da Internet em sua forma atual e apontaram seu receio de que buscas proativas por conteúdos ilegais e eventuais exclusões possam configurar censura aos usuários. O Google, uma das organizações que tentou recurso que originou o julgamento, chegou a dizer, em entrevista ao G1, que “responsabilização das redes não contribuirá para fim de conteúdos indesejados”. Luiz Guilherme Ros, advogado mestre em direito constitucional, discorda.
Ouvido pela reportagem, Ros aponta que a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas que, “assim como vários outros princípios, já sofreu modulações em situações específicas para que outras coisas tivessem mais valor”. Normalmente, ele explica, “são os interesses mais difusos e coletivos que se sobrepõem, porque eles representam o interesse da maioria. Existe uma ampla base de discussões que são pacíficas de toda a sociedade. Existem pontos comuns e elementos evidentes para que a gente proceda com uma regulação maior desse mercado. O discurso da liberdade de expressão ganhou forma, ganhou couro, como uma tentativa de impedir a regulação destes agentes”.
Em um artigo publicado em 2023 na plataforma de notícias jurídicas Jota, o advogado aponta que talvez haja algum pequeno tolhimento na liberdade de expressão. Ao Brasil de Fato ele reforça a ideia, mas não considera um problema: “agora, para mim, é o momento pendular para a gente regular e eventualmente, depois, discutir os excessos que foram feitos, e não a gente simplesmente deixar um ambiente desregulado e permissivo como existe hoje”.
Decidido que após esse julgamento a legislação será outra, resta apenas saber o quão duramente o Supremo posicionará o Brasil frente aos conteúdos criminosos em plataformas e os lucros, diretos ou indiretos, recebidos pelas plataformas pela livre circulação deles. Ros pontua que multar pode não ser o suficiente. “Quando a gente fala de sanção pecuniária, nós teríamos que fazer um cálculo econômico de quanto as plataformas lucram com essa prática. Não me parece que a utilização de mecanismos pecuniários, exclusivamente, seja um instrumento eficaz para a gente criar um poder de dissuasão, um efeito pedagógico e um efeito regressivo, que é o que deveríamos ter com essas punições.”