Com o objetivo de valorizar a memória e os patrimônios materiais e imateriais da cultura negra local, o projeto “Territórios Negros de Alvorada” tem mobilizado escolas, autoridades e a comunidade em ações educativas e culturais.
A iniciativa, idealizada por Tainã Rosa – mestra e doutoranda em Literatura – em parceria com o ilustrador Pablito Aguiar, contempla a distribuição gratuita de livros em quadrinhos, jogos de tabuleiro e uma exposição artística para todas as 31 escolas e quatro institutos educacionais do município, além de ações acessíveis voltadas ao público geral. A proposta é que essas visitas se tornem parte fixa do calendário pedagógico da Secretaria Municipal de Educação (Smed).

Com recursos do Edital Sedac/LPG nº 11/2023 – Pesquisa, Registro e Memória, o projeto viabilizou a produção de mil exemplares do livro e 500 jogos de tabuleiro, todos destinados às instituições de ensino e à comunidade alvoradense. Também foram contempladas ações de acessibilidade: o livro foi traduzido para o braille, com apoio da Acergs, e duas cópias já foram entregues à Biblioteca Pública de Alvorada. Todos os eventos promovidos contaram com intérprete de LIBRAS.
Uma das atividades piloto do projeto foi a visita realizada por duas turmas da Escola Municipal de Educação Fundamental Leonel Brizola aos territórios retratados nos materiais produzidos. Durante a experiência, os estudantes tiveram a oportunidade de vivenciar, de forma sensorial, aspectos da cultura negra local: dialogaram com lideranças comunitárias, degustaram pratos típicos, participaram de danças e ampliaram seu repertório sobre a memória e a história da cidade.
“O sentimento até aqui com o ‘Territórios Negros de Alvorada’ é de potência. O projeto está cumprindo aquilo que se propôs desde o início: provocar reconhecimento, deslocar o centro da história oficial e devolver às pessoas negras da cidade o direito de se verem como protagonistas da memória coletiva”, conta Tainã.
Ela também ressalta a força da presença das crianças das escolas municipais. “Estão tendo a oportunidade de crescer com referências negras que rompem com lógicas de exclusão. Aprendem história, cultura e religiosidade negra por meio de passagens que também são afetivas, familiares, comunitárias. Isso tem poder transformador: forma subjetividades menos vulneráveis ao preconceito e mais preparadas para enfrentar o racismo com repertório.”
Distribuição gratuita de livros
No último sábado (28), o projeto ocupou a Casa de Vidro, na Praça Leonel Brizola, com uma atividade aberta ao público. Cerca de 200 livros foram distribuídos gratuitamente, por ordem de chegada, em meio a uma celebração marcada por falas emocionadas e presença popular. Entre os participantes, o gari seu Rogério resumiu o clima do encontro: “Eu vou pegar um livro pra mim também. Eu gosto muito de ler.”
Tainã conta que esse encontro a emocionou. “Em 2023, ele pegou um livro do projeto A Cor da Voz numa das nossas gelotecas, e agora, em 2025, foi até a Casa de Vidro buscar um exemplar do Territórios. Ele disse: ‘Eu vou pegar um livro pra mim também. Eu gosto muito de ler’. Esse gesto diz muito: é um trabalhador que se reconhece como leitor, como sujeito digno de memória e de cultura.” E complementa: “ver esse trabalho chegando nas comunidades, sendo lido, jogado, comentado e levado para casa, mostra que há uma sede por narrativas que nos representem com dignidade e complexidade”.
Para quem não pôde comparecer ao evento, os exemplares restantes estão disponíveis na Biblioteca Pública de Alvorada (Rua Santa Catarina, 80) até o dia 31 de julho, das 8h às 12h e das 13h às 17h, ou enquanto durarem os estoques. Outra ação em curso é a visitação à exposição Territórios Negros de Alvorada, que ocorre no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) até o fim de julho. A mostra, aberta ao público, revela os bastidores do processo criativo da obra e reafirma a importância de preservar e difundir as histórias que moldam a identidade negra da cidade.
Para Tainã, “o maior valor do projeto talvez esteja nisso, em fazer com que a leitura e a memória negra deixem de ser um privilégio de poucos e passem a circular como direito coletivo”. Segundo ela, as pessoas negras estão se sentindo representadas, os territórios estão sendo nomeados e valorizados, e isso tem efeitos concretos na autoestima, no pertencimento e na forma como se ocupa a cidade.
Por fim, a idealizadora define o projeto como “um gesto de devolução, mas também de reconfiguração do imaginário coletivo da cidade. Estamos mostrando que a cultura negra sempre esteve aqui pulsante, viva, inteligente, e agora ela está sendo registrada, valorizada e difundida com o cuidado que merece”.
